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O INSTITUTO GREGORIO BAREMBLITT nasce do encontro de um grupo de amigos com um desejo comum de reinventar novas práticas sociais. Para tanto constituímos uma associação sem fins lucrativos. Seu nome é uma homenagem ao psiquiatra, psicoterapeuta, professor, pesquisador, analista e interventor institucional, esquizoanalista, esquizodramatista e escritor Gregorio Franklin Baremblitt. Nosso desejo é que este dispositivo tenha uma inserção social e que possamos construir com nossa comunidade um Outro Mundo Possível.

sábado, 30 de abril de 2011

COMEMORAÇÕES DE ANIVERSÁRIO DO 1° ANO DO INSTITUTO GREGÓRIO BAREMBLITT!!!

Caros Amigos,


Convido a todos para as Comemorações de Aniversário do 1° Ano do Instituto Gregório Baremblitt a realizar-se no dia 17 de maio de 2011!!!

Abraços,

celso.





terça-feira, 26 de abril de 2011

NOSSAS COMPANHIAS: Mônica Gorgulho fala sobre Redução de Danos 5/5

NOSSAS COMPANHIAS: Mônica Gorgulho fala sobre Redução de Danos 4/5

NOSSAS COMPANHIAS: Mônica Gorgulho fala sobre Redução de Danos 3/5

NOSSAS COMPANHIAS: Mônica Gorgulho fala sobre Redução de Danos 2/5

NOSSAS COMPANHIAS: Mônica Gorgulho fala sobre Redução de Danos 1/5

NOSSAS COMPANHIAS: O MICROFASCISMO NOS BECOS DO COTIDIANO Jorge Bichuetti

O bullyng é só uma palavra adocicado para enunciar uma velho e cruel evento do cotidiano: os microfascismos...
Quando Foucault propunha a invenção de uma vida não-fascista, dizia-nos que o fascismo de estado não é o único... existe um fascismo que se realiza nos becos do cotidiano... no nosso dia-a-dia.
Manifesta-se na intolerância, na estigmatização, na discriminação, na violência direta ou travestida de cordialidade falsa, na segregação, no autoritarismo, na inviabilização das trocas dialogais, na dominação, na imposição, na exclusão...
Não age por decretos: atua por meio de palavras, gestos, olhares, normativas, chistes, brutalidades, mentiras, dissimulações, omissões, tiranias domésticas e situacionais...
É a voz que grita para intimidar...
É a ironia que desqualifica...
É a verdade absoluta e soberana que desacretida a verdade emergente e diversa que o outro corpo anuncia...
É o olhar de desprezo, de nojo, de repugnância...
É a força bruta... Os podres poderes que instituímos no dia-a-dia para nos manter autoridades e superioridades, negando o outro e a diversidade...
Toda exclusão e toda estigmatzação, como toda dominação, se dá mediante a força breuta , física ou inteletual, verbal ou expressiva, que subjuga, violenta, silencia, anula, intimida, danifica, inferioriza, isola, menospreza, estropia, acua o outro...
O microfascismo é força da morte, não da vida...
A vida é alegria, troca, compreensão, tolerância, inclusão, vitalização, partilha... a vida é diversidade, transversalidade, soidariedade e comunhão.
Os microfascismos geram a morte civil, os complexos de inferiridade e um cotidiano marcado por um funcioanamento paranóide.
Toda vez, que subjugo outra vida, instauro um microfascismo...
Há fascistas e há fascismos perambulando pelos corredores da vida.
A vida é expansão, afirmação singularizante, devires...
O fascismo produz sub-vidas: retraídas, contidas, servis... que podem explodir ou implodir...
O episódio de Realengo é um analisador dos microfascismos que permeiam a capilaridade da vida cotidiana.
Para se construir uma vida não-fascista não basta ser boa gente; urge romper o silêncio e as nossas omissões diante de todo fascismo.
Urge comprometermo-nos com a vida. Com a liberdade, com a diversidade, com a solidariedade, com a ternura, com a não-violência, com uma inclusão social radical e austera...
Precisamos, urge que enfrentemos os capatazes, os tiranos, os veiculadores do fascismo no dia-a-dia.
Não se pode tergiversar... o fascismo pueril e risonho mata e aniquila como mata e aniquila o fascismo dos quartéis...
Optemos radicalmente pela vida.
Mergulhemos com intensidade no processo de produção da liberdade e não nos omitamos, pois, não há vida procriativa, criativa, inventiva, de paz e suavidade, sob os auspícios dos microfascismos.
Um dia, acordaremos e veremos que a vida se faz e refaz, se desfaz e se reinventa, todos os dias...
E, também, veremos que ela se aniquila, se perverte e se desatina nos meandros do cotiano, quando não ousamos impor a ética da vida , com a nossa vida, formando barricadas para deter os microfascismos...
Persiste a voz clara e insurge: não se transforma o mundo sem mudar a vida...
http://jorgebichuetti.blogspot.com/ 


A construção social do “problema” das drogas - Gilberta Acselrad*

Entre a glamourização e a demonização do uso de drogas, e em que pese a produção de conhecimento que procura dar conta da complexidade da experiência, a população consumidora continua sendo vista como a grande culpada. De um lado, a população consumidora que carrega algum estigma social – racial, ocupacional, habitacional, nacional, entre outros –, que consome drogas de baixa qualidade e, principalmente, que encontra no comércio da droga sua fonte de sobrevivência e de inserção social, ainda que na ilegalidade. De outro, aquela que, por sua posição social e econômica, não é estigmatizada e que se ampara na ideologia liberal que justifica que se limite para alguns – cidadão ou cidadã de “primeira classe” – o poder do Estado de interferir na vida privada. Reiteram-se as afirmações “o uso de drogas desagrega as famílias”, “o uso de drogas leva à violência”, “enquanto houver usuários, haverá tráfico”, “quem usa drogas participa da violência que cerca sua produção”, “vamos seguir os usuários e chegaremos aos traficantes”. Afirma-se que “enquanto houver demanda, haverá oferta”. Mas não há razões suficientes para crermos que o “problema” da droga esteja apenas no consumo, como insistem alguns governos, instituições e parte da mídia. O consumo parece ser a ponta de um iceberg, expressão do mal-estar do sujeito no mundo moderno. Pois a demanda não brota espontaneamente, ela é produzida social e historicamente.

Contexto obscuro 

Culpabiliza-se a população como forma de justificar a manutenção da lei que proíbe o uso de certas drogas, mesmo quando não há danos a terceiros, justificando igualmente toda a repressão que dela decorre. A violência que hoje envolve consumo e, principalmente, o tráfico parece ser única, não sendo relacionada como uma entre outras formas de violência, a caracterizar as relações humanas. Obscurece-se o contexto de uso. Não vem à tona o fato de que, em se tratando de drogas como maconha e cocaína, nos países subdesenvolvidos, grupos sociais que estão fora do controle da economia institucionalizada dominam o cultivo, a produção e parte do transporte de drogas. Minimiza-se a responsabilidade dos setores financeiros dos países desenvolvidos, no comércio de insumos necessários à produção, sua responsabilidade na lavagem e apropriação dos fundos provenientes do comércio ilegal. Dissimulam-se tanto a dificuldade dos poderes públicos em elaborar políticas públicas de integração social plena que garantam a redução dos eventuais danos decorrentes do uso, como as ambigüidades ideológicas, filosóficas e das políticas proibicionistas¹.

A incapacidade de controlar os hábitos de consumo se manifesta não só nas políticas que tentam erradicar o consumo de drogas ilícitas, como também nos espaços educacionais, familiares e de trabalho. Há, na realidade, um grande confronto entre uma lógica econômica que, ao mesmo tempo em que combate uma mercadoria de consumo ilegal, estimula sua necessidade pela produção de uma vida social competitiva, permeada pela iminência de exclusão.

Predomina a tendência a buscar um culpado: o inimigo externo, o “vírus” que ataca o corpo social sadio, provocando a doença que é preciso erradicar. As políticas de drogas, mesmo quando têm um discurso que se aproxima do politicamente correto – combate limitado ao uso indevido, abusivo, ações que levem em conta o contexto local, noção de que no “problema” interferem o produto, a personalidade do usuário e o contexto de uso, na prática –, como foi o discurso oficial do governo FHC, de alguma forma ainda contribuem para fortalecer a noção de que a população consumidora é a responsável pelo descontrole, confirmando a necessidade indiscutível da erradicação do uso.

Na prática da política de drogas, no Brasil tem predominado a preocupação essencial com os produtos ilícitos – quando, de fato, no país, as pesquisas indicam o uso preponderante de substâncias (uso na vidA² e uso dependente) de venda legal – álcool, tabaco, solventes, tranqüilizantes, remédios para emagrecer, só depois seguidos pela maconha e cocaína – nos levantamentos realizados com estudantes³. No que se refere a sondagens domiciliares recentes, em São Paulo, o álcool e o tabaco são as drogas de uso na vida mais citadas (seguidas pela maconha, solventes, cocaína, estimulantes, tranqüilizantes, remédios para emagrecer e xaropes), mantida, portanto, a importância do consumo de substâncias de uso legalizado4. Ainda que as pesquisas realizadas sobre consumo de bebidas alcoólicas evidenciem a associação do uso indevido e comportamentos de risco e ainda que seja clara a associação entre o hábito de fumar (tabaco) e doenças respiratórias, as políticas oficiais são perigosamente condescendentes com esses hábitos, na medida, talvez, da legalidade dessas drogas. Os produtos são referidos como se eles todos tivessem a mesma ação no organismo e como se fossem determinantes dos danos, estes considerados sempre como inevitáveis e fatais. Muito timidamente são citados os diferentes tipos de uso – a primeira experiência, os usos circunstanciais e habituais que se mostram serem passíveis de controles. De maneira recorrente, confundem-se usos controlados com a dependência.

Por outro lado, não é considerado o uso involuntário de drogas, aquele que resulta do contato com substâncias psicoativas, altamente tóxicas, presentes no processo de trabalho agrícola5 e industria6. Desqualifica-se a pessoa como sujeito de sua história, de suas escolhas. Afinal, a droga é apresentada quase como um vírus contra o qual a “vacina” da proibição e da repressão surge como a única solução.

Resgatar a memória sobre o consumo de drogas, ontem e hoje, aqui e em outros países, ajuda a pensar formas democráticas de lidar com o que hoje se tornou um “problema”. Cada sociedade, em cada momento de sua história, encontrou uma forma de lidar com as drogas, seja sua produção ou seu consumo. Em alguns momentos, controles individuais e coletivos foram suficientes para reduzir danos. O hábito de beber vinho puro já foi considerado um ato pouco cidadão – cada dose de vinho era misturada a duas de água –, evitava-se beber vinho durante as refeições ou mesmo durante o dia, bebia-se apenas depois do jantar, o consumo era proibido entre as crianças, que, no entanto, tinham acesso a algumas gotas de ópio para melhor dormir7. O absinto, bebida popular na França de 1830 até o início do século XX, teve sua toxicidade comprovada oficialmente como se a substância tivesse em si mesma a explicação da violência manifestada pelos usuários, contra todas as evidências, quando a sua popularidade ameaçou os interesses econômicos dos tradicionais produtores franceses de vinho8.

Usos restritos a alguns grupos, usos diferenciados de acordo com a idade, usos restritos a determinados momentos, cercados por rituais coletivamente elaborados e aceitos por toda a sociedade, essas são práticas registradas pela história, na intenção de minimizar danos eventuais. Hoje, o ritual coletivo perde-se no projeto de satisfação individualista. Sugere-se que o sonho do consumo “cria identidade”. E, se as decepções de um mundo que escapa aos nossos desejos, as angústias próprias da vida nos afligem, o caminho de busca solitária de compensações está aberto, e, nessa busca, as drogas são uma opção de fácil acesso e resultado imediato. O uso de drogas generalizou-se, tornou-se prática banalizada. Qualquer um – em quase qualquer espaço, jovens, adultos, idosos, ricos e pobres – pode experimentar, habituar-se, correndo o risco de tornar-se dependente.

O usuário dependente realiza, inconscientemente, o ideal de “homo economicus”, que, no modelo liberal, coloca como valor máximo a satisfação dos desejos individuais, sem nenhuma imposição de valores críticos. “O prazer autônomo tanto quanto possível, independentemente de todas as relações, é reduzido à ativação de uma substância com outra. Do prazer percebido como subproduto de alguma combinação de atividades que estavam em harmonia com o bem-estar do indivíduo e da espécie, hoje, passamos a seu acesso direto pela via elétrica ou química que nos exime de lidar com decepções. Mas o enfoque autônomo do prazer individual subjetivo é literalmente mortal.9”
Melhor educar 
Diante do “problema” das drogas, é necessário agir, fazer alguma coisa. Mas o que fazer? Prevenir significa evitar que alguma coisa aconteça. Buscamos prevenir doenças, obesidade, acidentes, velhice. É melhor prevenir do que remediar, diz o ditado popular. A prevenção das drogas é fundamental já que, segundo estimativas, 30% apenas dos dependentes de drogas conseguem superar o uso indevido, abusivo, e isso significa dizer não retomar o uso nos cinco anos seguintes ao fim do tratamento.

O consumo de drogas entre jovens do ensino fundamental e do ensino médio, no Brasil, ainda é inferior ao registrado nos EUA e em países da Europa. Mas os índices de consumo crescem se comparados a levantamentos anteriores10. Cresce o envolvimento de jovens com o tráfico de drogas, segundo esclarecem pesquisas recentes11 que falam da exposição de crianças ao tráfico desde muito cedo, começando a andar com traficantes a partir dos 10 anos de idade. Fala-se de um verdadeiro extermínio da população pobre, entre 15 e 17 anos, de índices assustadores de morte, por arma de fogo, no caso do Rio de Janeiro, de crianças envolvidas com violência armada organizada, índices superiores aos registrados em países onde há uma situação de guerra declarada. Prevenir a violência do tráfico, vivida de forma generalizada pela população do Rio de Janeiro, em episódios como os de setembro de 2002 e fevereiro de 2003, coloca a urgência de uma ação por parte do governo e das instituições democráticas.

Ao “problema” do uso indevido se soma o grave quadro de envolvimento de crianças no tráfico, com sua expressão de violência crescente. Mas a prevenção, até agora realizada, seja amedrontando os usuários quanto aos danos, dados como certos e inexoráveis, seja na sua forma repressiva, não tem conseguido resultados positivos.

No que se refere ao uso indevido, predomina a prevenção – forma de evitar a própria experiência da droga –, mas na sua expressão autoritária. Como na história da Bela Adormecida, o rei e a rainha não quiseram receber no palácio as “bruxas” consideradas feias, desagradáveis – referindo-se a conflitos que, de fato, fazem parte da realidade. Estas, irritadas, rogam uma praga: a princesinha, mais tarde, irá ferir-se com um fuso. Em vez de ensinar a princesinha a lidar com o fuso, seus pais preferem bani-los do reino. Com a razão entorpecida pelo medo, a descuidada princesa acaba encontrando um fuso esquecido no sótão e se fere, caindo num torpor, após cometer a transgressão de mexer no que era proibido. Não teria sido melhor prepará-la para lidar com o fuso, de forma clara, sem mitificações e mistificações12? Não teria sido mais pedagógico educar, em vez de tentar evitar o problema erradicando os fusos do reino? Educar para a autonomia – “ajudar o outro, esse feixe de pulsões e imaginação, a tornar-se um ser humano, capaz de governar e ser governado”?13

A educação para a autonomia é um processo que começa na idade zero e que ninguém sabe quando termina. É um projeto pedagógico que procura desenvolver a capacidade de aprender do sujeito – aprender a aprender, aprender a descobrir, aprender a inventar. Nele, sem dúvida, as matérias ensinadas – a geografia, por exemplo, pode tratar da importância cultural do plantio de coca nos países andinos, do uso medicinal da maconha no interior do Brasil14 – serão degraus que permitirão desenvolver a capacidade de aprender, descobrir, inventar. No projeto de educação para a autonomia, dois princípios são firmemente defendidos: todo processo de educação que não visa desenvolver ao máximo a atividade própria dos alunos é ruim; todo sistema educativo incapaz de fornecer uma resposta razoável à questão eventual dos alunos – “Por que deveremos aprender isto?” – não terá sucesso.15

No que se refere à prevenção do ingresso no tráfico, é grave a indigência das ações correntes. A política de drogas tem se limitado a reprimir a transgressão, com uma inovação recente: o Programa de Justiça Terapêutica, proposta de tratamento compulsório – mais uma vez identificando uso e dependência – como alternativa à perda da liberdade. As instituições que acolhem crianças em conflito com a lei estão muito longe de proporcionar alternativas reais de inserção social digna e cidadã. Por isso, a falência dessa prevenção, que é esvaziada de sentido real. Tentar erradicar algo que faz parte da nossa história, de maneira meramente repressiva, exagerar riscos, dar informações genéricas, confusas ou mesmo errôneas como se fossem “verdades” desde sempre comprovadas, propor “alternativas” de uma falsa profissionalização, para quem teria de ter sua infância resgatada, são algumas das tentativas da prevenção que tendem a se frustrar.

Mais do que nunca, a possibilidade de conhecer e dispor de informações sempre atualizadas e amplas é o melhor caminho para educar para a possibilidade de refletir e agir no interesse próprio e da coletividade. Até que ponto o consumidor de drogas ilícitas, na sua transgressão individual, não está correspondendo ao ideal liberal de consumidor acrítico? Até que ponto as crianças em situação de violência armada organizada, com o seu envolvimento crescente no “trabalho” do tráfico, não estão reforçando o fracasso do poder público, que não conseguiu honrar o contrato social a que os cidadãos têm direito?

O papel da mídia

Na mídia, podemos identificar o predomínio de divulgação sensacionalista de ações espetaculares de repressão ao tráfico de drogas ilícitas. A riqueza de detalhes no que se refere à violência das ações, os níveis de modernização dos tipos de armas que circulam em ambos os lados, a conexão com a corrupção policial e as imagens cinematográficas dos embates e de policiais do Bope que escondem o rosto revezam-se com o tratamento aparentemente piedoso, ao mesmo tempo, considerando quase uma fatalidade o que ocorre com as pessoas inocentes feridas ou mortas nos violentos conflitos armados.

Em segundo plano, com bem menos destaque, vem a divulgação de resultados de pesquisas, estudos sobre consumo, tráfico de drogas, violência. Apresenta-se uma discussão que, mesmo não sendo unânime, sem suas conclusões, caracteriza-se pela seriedade do enfoque. Embora com reduzido ou raro destaque, essas pesquisas, quando veiculadas, contribuem, sem dúvida, para uma reflexão diferenciada em relação ao sensacionalismo habitual, ainda que sempre focalizada nas pessoas jovens, como se estas fossem as únicas consumidoras de drogas, sempre ilícitas, sendo a reflexão completada com conselhos aos familiares, via de regra perplexos diante dos fatos. Paralelamente, tornam-se cada vez mais freqüentes os artigos de opinião, editoriais, entrevistas com personalidades, imediatamente após um momento em que o “problema” droga irrompe com maior violência e/ou gravidade.

Episodicamente, temos as campanhas da chamada “prevenção”. É curioso observar aqui, de novo, a tendência de provocar impacto no público-leitor, por meio de imagens e linguagem sensacionalistas, sugerindo um estado de guerra individual e coletiva. Em algumas campanhas veiculadas pela mídia, a imagem do dependente, na deterioração física apresentada com um fato indiscutível, pode ser confundida com o aspecto de uma pessoa com dengue hemorrágico. Em outdoors, frases aparentemente ingênuas reforçam a irracionalidade, a discriminação. Dizer “Drogas, tô fora” motivou, pela sua inconsistência, o complemento jocoso, pichado num muro de Porto Alegre: “Claro, saí para comprar”. Afirmar “Drogas, nem morto” também não tem sentido algum: uma vez morto, o sujeito não tem escolhas. Dizer que “Quem se droga é triiiiiste” é generalizar a experiência negativa, ainda que os riscos sejam reais. É fazer de conta que uma festa não perde a graça quando a bebida acaba, é nunca ter observado o prazer que dá tragar um cigarro, ou ainda ignorar a tranqüilidade experimentada logo após a ingestão de um medicamento contra a dor ou para dormir. Dizer que “Droga é brega” expressa, sem que se perceba, um preconceito em relação às pessoas chamadas de “bregas”, que o são apenas aos olhos de quem assim as consideram – afinal, cada pessoa tem seu estilo e dele se orgulha. E o que significa dizer que “Droga é uma merda”? O que informa essa frase para quem já experimentou e sentiu prazer, calma, alívio? Campanhas dessa natureza não educam, são desconsideradas pelos usuários ou, o que é tanto mais grave, confundem.

Algumas dessas frases são, de alguma maneira, perversas porque informam pela metade, não atingem quem não inclui sua experiência na forma estereotipada co-mo a reação é apresentada, mas que, nem por isso, estão imunes aos riscos e precisam estar alertas. São frases que não preparam, de fato, o sujeito para refletir e agir de forma consciente, diante dos riscos que sem dúvida existem. São palavras de ordem que continuam sendo difundidas, carregadas de uma intenção de prescrever vacinas que ilusoriamente nos protegeriam. Mas nessas campanhas, recentemente, surgem também novos enfoques em que a relação pais/mães e filhos(as) é valorizada. Novos motes apontam a necessidade da autonomia: “Quem escolhe meu caminho sou eu, não a droga”, frase mais identificada com a noção de que somos sujeitos de nossa história.

A mídia tem reiteradamente divulgado entrevistas com artistas e intelectuais sobre suas experiências de uso de drogas. Se, no texto interno, o debate se amplia, assim como a busca de encaminhamentos democráticos da questão, o sensacionalismo das chamadas de capa mais uma vez evidencia a manipulação das experiências, o que tem até redundado em prejuízos posteriores às declarações dadas.16
Pedra no caminho
A criminalização do usuário é um absurdo jurídico: o Estado exacerba no seu direito de legislar quando legisla no espaço privado, quando não há prejuízo de terceiros.17

Por mais contraditório que possa parecer, descriminalizar o uso de drogas, quaisquer que elas sejam, com definição no texto da lei sobre quantidade que evidencie uso pessoal, abre caminho para uma educação democrática que reduza os danos decorrentes do consumo. Essa possibilidade já é real em alguns países da Europa, como na Holanda – e, mais recentemente, Espanha e Portugal. Na Bélgica, descriminalizou-se o uso de maconha. Sob outra perspectiva, no Canadá, o uso terapêutico da maconha é autorizado no caso de doenças terminais.

Argumenta-se que a criminalização é, de alguma forma, um freio ao uso. Entretanto, nos países que optaram pela descriminalização, os índices de consumo não trário, a descriminalização permitiu a opção por novas diretrizes: prioridade dada à educação sobre os danos decorrentes de usos indevidos, não cidadãos – aqui considerados como aqueles que estão em desacordo com os hábitos culturais reconhecidos e aceitos coletivamente –, prioridade para as pesquisas e tratamento do uso dependente e repressão direcionada, limitada ao controle do tráfico.18

Argumenta-se que, em sociedades onde predomina uma forte desigualdade social, os privilégios de alguns grupos sociais já garantem a descriminalização, de fato, do uso para esses mesmos grupos. Sem alteração desse contexto, a descriminalização legal não garantiria, automaticamente, tratamento democrático para grupos já marginalizados. Para estes, o “problema” droga continuaria existindo, com a manutenção da desigualdade estrutural.

Cada sociedade, em cada momento de sua história, teve e tem drogas permitidas e outras proibidas. Dá para imaginar que o fumo de tabaco já foi motivo de prisão na Europa? E que o álcool é ainda hoje proibido em países muçulmanos? E que a cocaína, por volta de 1920, era vendida nos EUA pelo reembolso postal como tônico fortificante? E que a maconha já foi vendida em feiras livres no Brasil?

No nosso país, a lei que regulamenta o consumo de drogas data de 1976, Lei 6.368, elaborada durante a ditadura militar, que vigorou no Brasil a partir de 1964, o que significa dizer que carrega as características da política de exceção e controle social daquela época. No texto dessa lei, embora se reconheça a dependência de drogas como uma doença, o tratamento previsto é a perda da liberdade. Incentiva-se a delação como método, diretores de escola estão sujeitos à perda de eventuais subvenções, caso não denunciem e afastem alunos usuários de drogas ilícitas.

Mais recentemente, o usuário que é flagrado com uma pequena quantidade de uma droga ilícita se beneficia da Lei 9.099/95, que, tratando dos juizados especiais criminais, permite penas alternativas à prisão, em casos comprovados de pequeno potencial ofensivo, seguindo o exemplo da experiência norte-americana de cortes especiais para tratar o “problema” da droga em si, descontextualizado.

A lei interdita o uso, criminaliza o usuário. A prevenção, na sua busca de erradicar o uso, reforça a responsabilidade restrita ao sujeito da experiência. Ao consumo indevido se somam a violência e a criminalidade, decorrentes da ilegalidade da prática e não específicas ao efeito da droga no sujeito. A orientação sobre os eventuais danos decorrentes do uso não acontece, e a demanda por tratamento se esquiva. O empenho na “prevenção” não resultou em diminuição do consumo, que aumenta e se diversifica; afinal, são tantas e novas as substâncias psicoativas que surgem no mercado...

Em muitos países, o consumo de drogas vendidas legalmente é maior que o consumo das drogas ilícitas – a França é um país com forte consumo de tranqüilizantes; na Bélgica, predomina o consumo de produtos de uso doméstico, em cuja composição estão presentes substâncias psicoativas. O “problema” da droga está, assim, organizado conforme a especificidade dos contextos.

A frustração dos educadores é real, e o objetivo proposto de erradicar o consumo jamais é alcançado, o que parece sugerir que o esforço em evitar o consumo não seja necessário já que a grande questão parece ser a relação que estabelecemos com as drogas.

A reflexão que permita um agir consciente, organizado em torno a controles individuais e coletivos de uso, poderia limitar os eventuais danos? Experiências passadas indicam que sim; afinal, o uso indevido de forma generalizada é uma característica da nossa época. A experiência recente do controle do uso do tabaco também indica que sim. Seria impensável, há dez anos, imaginar a realidade atual de controle desse consumo em espaços públicos.

Percebe-se a construção de uma cultura de resistência. Iniciativas locais, comandadas por mulheres/mães, organizam redes alternativas de educação para jovens das comunidades, tentando romper a “atração” pelo tráfico. Outros projetos reúnem homens que questionam o modelo masculino do beberrão agressivo e investem na construção de uma consciência masculina solidária. Associações reúnem usuários de drogas na luta pela defesa dos seus direitos, em âmbito continental, nacional, com algumas representações estaduais. Profissionais de saúde e da área social se associam preocupados em garantir uma prática comprometida com a ética, com os direitos de cidadania.

Política democrática 
Em 2000, a Rede de Direitos Humanos Drogas e Aids, com sede de referência na Uerj, divulgou uma Declaração de Direitos dos Usuários de Drogas, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (RS). Essa declaração foi assinada por instituições e organizações não-governamentais e parlamentares. Com base nesse texto, foi elaborado, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, o Projeto de Lei 2.251/2001, que dispõe sobre a prevenção, o tratamento e os direitos fundamentais dos usuários de drogas19 e que passou por discussões entre os deputados estaduais, no período de 2001–2002. O projeto apresentado foi aprovado na íntegra pela Comissão de Justiça, numa explicitação de que não seriam necessárias novas leis para sua aprovação, todos os itens propostos já sendo garantidos pela Constituição Federal de 1988. O projeto também foi aprovado pela Comissão de Saúde e pela Comissão de Direitos Humanos.

Durante sua tramitação, em 2001–2002, foram realizadas audiências públicas do Fórum Permanente por uma Política Democrática de Drogas. Nesse espaço democrático, discutiram-se alguns temas: a lei proibicionista que regulamenta consumo de drogas e que causa mais danos que proteção; a necessidade de se ampliarem os esclarecimentos veiculados pela mídia; a importância vital da educação como forma de reduzir eventuais danos; a violência do Programa de Justiça Terapêutica – proposta de tratamento compulsório em situação de constrangimento –, viabilizado pelos juizados da infância e adolescência; as possibilidades e limites da repressão, sua organização e marcos éticos.

Em 2002, o Projeto de Lei 2.251/2001 foi aprovado no plenário da Alerj, suprimindo-se itens significativos, como o que declarava o usuário de drogas como um cidadão de direitos e deveres. Foi retirada também a proposta de redução de danos, que, em vários estados do Brasil (Rio Grande do Sul, Bahia, São Paulo e Minas Gerais), já é lei regulamentada e que se justificava, tendo em vista o sucesso de muitos programas já reconhecidos e mesmo financiados pelo Ministério da Saúde que têm obtido redução dos danos decorrentes de um uso indevido de drogas, reduzindo também os índices de infecção pelo HIV/Aids.

*Gilberta Acselrad

Mestra em Educação, coordenadora do curso de extensão universitária “Drogas e Aids: questões de direitos humanos”, no Programa Cidadania e Direitos Humanos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

Notas:

1 GUIZADO, A. C. Cinco tesis sobre narcotráfico y violencia en Colombia. Revista Foro, Bogotá, n. 15, p. 65-73, 1991.

2 O termo uso na vida diz respeito a quem já experimentou pelo menos uma vez.


3 GALDUROZ, J.C.F. et al. IV levantamento sobre uso de drogas entre estudantes de 1o e 2o graus em dez capitais brasileiras, 1997. São Paulo: UFSP/EPM/Dep. de Psicobiologia, Cebrid, 1997.

4 GALDUROZ, J.C.F. et al. I levantamento domiciliar nacional sobre o uso de drogas psicotrópicas, Parte A: envolvendo 24 maiores cidades do estado de São Paulo. São Paulo: Faperp, 1999.


5 Casos constatados de suicídio, precedidos de episódios de depressão nervosa, entre agricultores em Venâncio Ayres (RS), associados ao consumo involuntário de substâncias psicoativas presentes na composição de agrotóxicos.
6 PACHECO-FERREIRA, H. Os trabalhadores e o uso do mercúrio. In: ACSELRAD, G. (Org.). Avessos do prazer: drogas, Aids e direitos humanos. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2000.

7 VILLARD, P. Ivresses dans l´antiquité classique. Revue Histoire, Economie et Société, Paris, p.453-459, 1989.

8 DELAHAYE, M.C. Grandeur et décadence de la fée verte. Revue Histoire, Economie et Société, Paris, p. 475-489, 1989.

9 DALY, H. E.; COBB Jr., J.B. Para el bien común, reorientando la economia hacia la comunidad, el ambiente y un futro sotenible. México: Ed. Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 93.

10 Vide nota 4. O uso na vida do álcool: 53,2%; uso dependente de álcool: 6% (valores próximos aos observados em estudos de outros países); uso na vida do tabaco: 39,0%; uso dependente: 9,3%; índice de 11,6% de uso na vida de outras drogas, porcentagem próxima do Chile, superior à Colômbia e muito inferior aos EUA (34,8%). A maconha foi, dentre as drogas ilícitas, a que teve maior uso na vida – 5,6%, índice muito inferior ao observado no Chile, EUA, Dinamarca, Espanha e Reino Unido. 
11 DOWDNEY, L. Crianças do tráfico: um estudo de caso de crianças em violência armada organizada no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sette Letras, 2003.

12 ARANTEGUY, L. Doces venenos. São Paulo: Olho d´Água, 1990.

13 CASTORIADIS, C. Psychanalyse et politique. Revue Lettres Internationales, Paris, n. 21, p. 54-57, 1989.

14 HENNAN, A.; PESSOA Jr., O. Diamba, sarabamba: coletânea de estudos sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986.

15 CASTORIADIS, C. op. cit., p. 54-57.

16 A apresentadora de programas para jovens – Soninha –, após entrevista publicada na revista Época, em 2002, em que reconhecia já ter fumado maconha, foi demitida pela TV Cultura/SP, onde trabalhava.

17 KARAM, M. L. Legislação brasileira sobre drogas: história recente – a criminalização da diferença. In: ACSELRAD, G. (Org.). Avessos do prazer: drogas, Aids e direitos humanos. Rio de Janeiro: Imago, 2000, p. 151-160.

18 CATTACIN, S. et al. Modeles de politique em matière de drogue: une comparaison de six réalités européennes. Paris: L´Harmattan, 1996.

19 De autoria do deputado estadual Carlos Minc (PT-RJ).


quinta-feira, 21 de abril de 2011

NOSSSAS COMPANHIAS: O DUELO ENTRE A VIDA E MORTE POR LEONARDO BOFF

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital


Num dos mais belos hinos da liturgia cristã da Páscoa, que nos vem do século XIII, se canta que "a vida e a morte travaram um duelo; o Senhor da vida foi morto mas eis que agora reina vivo”. É o sentido cristão da Páscoa: a inversão dos termos do embate. O que parecia derrota era, na verdade, uma estratégia para vencer o vencedor, quer dizer a morte. Por isso, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. Ressuscitado, garantiu a supremacia da vida.

A mensagem vem do campo religioso que se inscreve no humano mais profundo, mas seu significado não se restringe a ele. Ganha uma relevância universal, especialmente, nos dias atuais, em que se trava física e realmente um duelo entre a vida e a morte. Esse duelo se realiza em todas as frentes e tem como campo de batalha o planeta inteiro, envolvendo toda a comunidade de vida e toda a humanidade.

Isso ocorre porque, tardiamente, nos estamos dando conta de que o estilo de vida que escolhemos nos últimos séculos, implica uma verdadeira guerra total contra a Terra. No afã de buscar riqueza, aumentar o consumo indiscriminado (63% do PIB norte-americano é constituído pelo consumo que se transformou numa real cultura consumista) estão sendo pilhados todos os recursos e serviços possíveis da Mãe Terra.

Nos últimos tempos, cresceu a consciência coletiva de que se está travando um verdadeiro duelo entre os mecanismo naturais da vida e os mecanismos artificiais de morte deslanchados por nosso sistema de habitar, produzir, consumir e tratar os dejetos. As primeiras vítimas desta guerra total são os próprios seres humanos. Grande parte vive com insuficiência de meios de vida, favelizada e superexplorada em sua força de trabalho. O que de sofrimento, frustração e humilhação ai se esconde é inenarrável. Vivemos tempos de nova barbárie, denunciada por vários pensadores mundiais, como recentemente por Tsvetan Todorov em seu livro O medo dos bárbaros (2008). Estas realidades que realmente contam porque nos fazem humanos ou cruéis, não entram nos calculos dos lucros de nenhuma empresa e não são considerados pelo PIB dos países, à exceção do Butão que estabeleceu o Indice de Felicidade Interna de seu povo. As outras vítimas são todos os ecossistemas, a biodiversidade e o planeta Terra como um todo.

Recentemente, o prêmio Nobel em economia, Paul Krugmann, revelava que 400 famílias norte-americanas detinham sozinhas mais renda que 46% da população trabalhadora estadunidense. Esta riqueza não cai do céu. É feita através de estratégias de acumulação que incluem trapaças, superespeculação financeira e roubo puro e simples do fruto do trabalho de milhões.

Para o sistema vigente e devemos dizê-lo com todas as letras, a acumulação ilimitada de ganhos é tida como inteligência, a rapinagem de recursos públicos e naturais como destreza, a fraude como habilidade, a corrupção como sagacidade e a exploração desenfreada como sabedoria gerencial. É o triunfo da morte. Será que nesse duelo ela levará a melhor?

O que podemos dizer com toda a certeza que nessa guerra não temos nenhuma chance de ganhar da Terra. Ela existiu sem nós e pode continuar sem nós. Nós sim precisamos dela. O sistema dentro do qual vivemos é de uma espantosa irracionalidade, própria de seres realmente dementes.

Analistas da pegada ecológica global da Terra, devido à conjunção das muitas crises existentes, nos advertem que poderemos conhecer, para tempos não muito distantes, tragédias ecológico-humanitárias de extrema gravidade.

É neste contexto sombrio que cabe atualizar e escutar a mensagem da Páscoa. Possivelmente não escaparemos de uma dolorosa sexta-feira santa. Mas depois virá a ressurreição. A Terra e a Humanidade ainda viverão.


NOSSAS COMPANHIAS: PROFESSORA GILBERTA ACSELRAD REFLETE SOBRE A LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS EM ENTREVISTA NA GLOBONEWS

quarta-feira, 20 de abril de 2011

NOSSAS COMPANHIAS: OFICINA COM DOMICIANO SIQUEIRA

Caros Amigos,

Em meio as Comemorações da IV Semana da Luta Antimanicomial de Frutal/MG,
 
O Instituto Gregório Baremblitt (IGB) convida a todos para

 Oficina  

"Redução de Danos: Uma Estratégia Possível" 


Coordenação: Domiciano Siqueira, Fundador e Presidente por 4 gestões da ABORDA – Associação Brasileira de Redutores e Redutoras de Danos - Organização Não Governamental na área de Redução de Danos; Fundador e Presidente por 2 gestões da Rede Paulista – Rede Paulista de Redução de Danos - Organização Governamental na área de Redução de Danos; Consultor na Área de Drogas e AIDS do Ministério da Saúde / CN - DST/AIDS; Consultor na Área de Drogas e AIDS da Prefeitura Municipal de Porto Alegre - RS; Coordenador do Programa de Redução de Danos entre UDIs da Secretaria Municipal de Saúde / POA.


17/5/2011 (terça-feira) - 15h30min – IGB - Rua Antônio de Paula n° 4, Centro, Frutal/MG, Fone: 34 34210147.


DIÁLOGOS: BULLYING - PROBLEMA CLÍNICO, POLÍTICO, PEDAGÓGICO, ÉTICO E DE DIREITOS HUMANOS

Caros Amigos,

O Instituto Gregório Baremblitt (IGB) convida a todos para:

25/4/2011 (segunda-feira) - 20h30min – IGB - Rua Antônio de Paula n° 4, Centro, Frutal/MG, Fone: 34 34210147
 
Diálogos

BULLYING - Problema Clínico, Político, Pedagógico, Ético e de Direitos Humanos

Coordenação: Ludmilla Souto Viana Peito Macedo, Médica-Psiquiatra do Serviço de Infância e Adolescência da Secretária de Saúde de Frutal/MG, Fundadora do Instituto Gregório Baremblitt.

NOSSAS COMPANHIAS: BULLYING: O CORPO SEVICIADO PELA OPRESSÃO Jorge Bichuetti

Bullying: uma novidade?... Uma nova palavra para um velho e crónico problema: a discriminação, a marginalização e estigmatização do diferente e dos que são para um mundo de padrões rígidos e excludentes a fragilidade e o exótico.
                                        ***
O esquizofrênico não teria um corpo danificado e mortificado, se ele não fosse negado, ridicularizado, inibido e violado.
As instituições totais aniquilam a potência de vida e torna a vida sob seus cuidados uma vida estropiada.
Contudo, o estigma e a anulação da potência criativa da vida não funciona somente dentro dos muros de um asilo.
Toda vez, que uma ação ou um modo de se relacionar coíbe as trocas e as fazem tenderem a zero, instala-se um funcionamento de instituição total com todo seu poder de aniquilamento e cronificação física e mental de uma suposta desvalia.
                                      ***
Cabe recordar que todos que vivenciam situações de algum grau de desterritorialização estão, potentemente, abertos ao novo; contudo, vulneráveis e muito mais vulneráveis às capturas e violências do meio externo.
Situam-se , neste contexto, as crianças e os jovens, os portadores de sofrimento mental, os apaixonados, os artistas, qualquer pessoa sob efeito de drogas alucinógenas, os idosos, os portadores de singularidades e diferença, os que estão sem pertenças nos coletivos, eles vivenciam desterritorializações que os vulnerabilizam aos ataques do meio social.
                                    ***
O Bullying é violência aos direitos humanos. É perversidade e exclusão. Crime de ódio.
A diferença é que dá coma aprovação implícita dos que não impõem uma ética nos espaços sociais de convivência.
O estigma e exclusão, a marginalizaçãoe discriminação via o ridículo, a gozação, os chistes e os próprios olhares de espanto e gozo sádico refletem no corpo do outro inibindo, contendo e isolando-o, danificando a autoimagem e a autoestima, enfim, gerando, uma vida que se percebe menos vida e que se encolhe, se retalha e decompõe...
São os efeitos da estigmatiza~ção e do asilo ambulante que se ressicita na voz e ação dos que violentam, excluem e ridicularizam...
                                    ***
A longo prazo, o problema se não enfrentado, se agrava; pois, o corpo perde potência e vidadlidade; e o psiquismo é tatuado com uma lenda que cria um scripit de vida de desvalia, infeliciddade e perenes fracassos e uma continua auto-negação.
                                   ***
Eis um problema clínico, político, pedagógico, ético e de direitos humanos...
Um problema de todos: família, escola, sociedade civil e estado...
Incluir é acolher, criar pertença, potencializar na diversidade, destruir estigmas e funcionamentos discriminátorios, é amor...
                                  ***
Bullying é violência, física e psíquica.
Assim, nascem os corpos danificados e, também, assim, nascem os fascistas e perversos que impedem a paz e o amor, a solidariedade e a cidaania, a alegria e a vida plena, de todos e para todos...


http://jorgebichuetti.blogspot.com/


NOSSAS COMPANHIAS: PONTUAÇÕES DE DOMICIANO SIQUEIRA

O USO "TERAPÊUTICO" DE CANNABIS POR DEPENDENTES DE CRACK NO BRASIL

Médicos-psiquiatras, pós-graduandos do PROAD/ UNIFESP ( Programa de Orientação e Assistência ao Dependente- Depto. de Psiquiatria e Psicologia Médica - Escola Paulista de Medicina - Univ. Federal de São Paulo)

INTRODUÇÃO E HISTÓRICO

Nos últimos anos tem ocorrido a veiculação de informações tanto na literatura médica quanto na imprensa leiga, a respeito de estudos sobre o uso terapêutico de cannabis em várias áreas( DOYLE,1995; UNGERLEIDER,1985; ZINBERG, 1979). Em pacientes HIV positivos como ansiolítico e estimulante do apetite (LOWENTHAL,1995); em portadores de neoplasias em tratamento quimioterápico como anti-emético e anti-nauseante (SCHWARTZ,1994; DOW,1981); e em oftalmologia em algumas formas clínicas de glaucoma( GONZALEZ, 1995), como exemplos. Esta mudança recente na postura de muitos cientistas parece ser fruto de uma maior abertura cultural dos países ocidentais onde esta substância tem perdido lentamente o "status" de droga de abuso com características semelhantes às chamadas drogas pesadas, como a cocaína, álcool e heroína.

E por que será que a cultura ocidental insistiu e insiste constantemente em não aceitar que existam diferenças importantes quanto à especificidade das diferentes substâncias? Esta pergunta não é fácil de ser respondida, mas algumas hipóteses podem ser levantadas. A questão da legalidade parece exercer grande influência neste sentido. Historicamente, as substâncias psicoativas, com exceção do álcool, passaram a ter seu uso proibido no início deste século em grande parte dos países ocidentais, sem ter sido avaliadas as suas características específicas, seus potenciais de abuso, riscos de overdose e rituais sociais e individuais associados a cada uma delas, o que provocou e continua provocando distorções muito graves.

O uso de álcool, por exemplo, é estimulado constantemente em todos os meios de comunicação, é facilmente acessível e em geral, é fortemente reforçado na própria família desde o início da adolescência. Contudo sabemos claramente que as repercussões sociais, econômicas e pessoais que o abuso e a dependência desta substância provocam são muitas vezes desastrosas.
Em contrapartida, a cannabis, por pertencer ao grupo de drogas ilícitas, passa a ter o mesmo status do que a heroína e a cocaína para a grande maioria das pessoas, especialmente `aquelas que não foram ou não são usuárias de qualquer substância ilícita. Sendo assim, um indivíduo que faça uso recreativo de cannabis, vai sofrer as mesmas conseqüências legais e sociais dos dependentes de drogas pesadas.

É interessante notar em relação ao uso recreativo de cannabis que estudos epidemiológicos realizados nos EUA (CHEN,1995), de acompanhamento a longo termo, demonstram que os americanos usam esta substância na adolescência e início da vida adulta, declinando acentuadamente por volta dos vinte e cinco a trinta anos de idade. Apenas uma pequena parcela destes indivíduos desenvolve abuso e dependência por outras substâncias, e apenas outra pequena porcentagem faz uso pesado de cannabis ao final desse período.

O uso de crack desde o seu surgimento no Brasil, no início da década de oitenta, esteve relacionado com as classes mais pobres. Contudo, nos últimos anos nota-se que este uso se estendeu às camadas média e alta, especialmente em São Paulo. Isto se deveu, em parte pelo fato de muitos dependentes de cocaína inalada não terem conseguido encontrar cocaína em pó em muitas "bocas" onde antes encontravam sem dificuldades. Isto nos faz pensar que os traficantes estavam "forçando" a entrada do crack nestas cidades. Tal estratégia parece ter dado o resultado esperado por estes indivíduos, já que a procura de tratamento por dependentes de crack observada nos últimos anos tem sido maior do que por dependentes de cocaína inalada e são muitos os relatos destes indivíduos sobre esse desaparecimento da cocaína em pó do mercado, especialmente em São Paulo. O crack tem seu preparo mais rápido e mais barato, mas traz conseqüências clínicas e psicológicas desastrosas em um período mais curto de tempo quando comparado com a forma em pó da mesma substância.

O crack traz sintomas clínicos e psiquiátricos bastante específicos e que estão diretamente relacionados à substância e à via de administração utilizada. São freqüentes as queimaduras de dedos, lábios e mucosas orais, quadros de asma brônquica, edema pulmonar, tosse persistente, dor torácica, infecções respiratórias altas e baixas, emagrecimento rápido, perda do apetite e acidentes vasculares cerebrais (MEISELS,1993; SMART,1991). Estes sintomas surgem rapidamente, após o indivíduo ter usado apenas algumas vezes em alguns dias, quando começa a apresentar sintomas de ansiedade relacionados à abstinência. Esta "fissura" é crescente e maior do que aquela gerada pela uso contínuo da forma inalada da cocaína. Seu efeito dura cerca de 5 a 10 minutos e se caracteriza pela presença de movimentos estereotipados, pensamentos repetitivos semelhantes a pensamentos obsessivos, além de ideação paranóide e alucinações visuais e auditivas que podem estar delimitados apenas ao momento do uso, ou podem permanecer presentes por alguns dias após cessado o uso, dependendo das características psíquicas de cada usuário. Neste sentido, outra delimitação importante entre o uso de cocaína inalada e o uso de crack, é que existe uma relação entre o uso deste e uma auto-destrutividade individual importante, que se sobrepõe ao indivíduo em um determinado momento de sua vida. Esta auto-destrutividade individual, no entanto é reforçada por um fator cultural que permeia a experiência destes dependentes. Independentemente do nível sócio-cultural destes indivíduos ocorre um fenômeno interessante durante o processo de obtenção e utilização do crack. Muitos deles permanecem dias dentro de barracos muito pobres em favelas na periferia da cidade, em condições péssimas de higiene e geralmente acompanhados de traficantes e outros dependentes desconhecidos, como se esses indivíduos precisassem viver um lado de suas personalidades que só pode ser resgatado nestes locais e através destas relações.

Sabemos que nos rituais iniciáticos dos povos ditos primitivos, os adolescentes se submetiam à ingestão de determinadas plantas ou fungos que alteravam suas consciências temporariamente, e esta alteração tinha uma finalidade bastante clara e ancestral: visavam a transformação daquele jovem em um homem adulto da tribo. Esta experiência é relatada como uma vivência de morte muito profunda e que em algumas situações chegava a ocorrer concretamente. Cito estes rituais porque o uso urbano de crack parece reproduzir um pseudo ritual: o dependente sabe que pode morrer, faz um uso em grupo, e vai usar o crack em locais que realmente reproduzem um clima de morte, medo, e falta de qualquer laço afetivo verdadeiro. Sendo assim, o dependente de hoje vive seu pseudo ritual às avessas: renasce sempre antes de cada "pipada" e morre simbolicamente após usá-lo, quando constata mais uma vez a falência de seu projeto inconsciente ( ZOJA, 1992)
Já o uso de cannabis no país tem um registro histórico cultural bastante interessante: desde os tempos de descoberta (1500 d.C.) existem relatos de viajantes portugueses que faziam uso da substância e que exaltavam as qualidades desta droga como intensificador de "emoções" pré-existentes. Com a formação de duas classes sociais polarizadas e distintas culturalmente, uma aristocrática e outra formada por escravos e pobres, este uso parece ter se mantido em ambas nos séculos subseqüentes, até o início do século XX, quando começa a haver uma tentativa de normatização desta substância em termos legais, influenciada por mudanças que ocorriam neste sentido tanto na Europa quanto nos E.U.A. É interessante notar que no período anterior à abolição da escravatura no país(1889 d.C.) o uso de cannabis parecia ser de conhecimento dos proprietários dos grandes latifúndios no país e este uso não era reprimido pelos mesmos pois havia uma percepção destes indivíduos de que o uso de cannabis diminuiria de maneira importante as chances de uma rebelião entre os escravos.

Contudo no início deste século, após o fim formal da escravidão, começa-se a associar o uso de cannabis com criminalidade, pobreza e com os negros. Estes novos traços culturais relacionados ao uso de cannabis, transformaram a visão predominante no país sobre essa droga em algo perigoso ou relacionado com marginalidade e violência. Seu uso hoje no país, ocorre em todas as camadas sociais, e há uma distinção clara pela maior parte de usuários de drogas de que a cannabis ocuparia um lugar distinto em relação às outras drogas disponíveis no país, e para estes indivíduos esta distinção inclui o álcool, apesar do reforço cultural positivo que existe em relação a este último. Contudo isto não significa que não haja repressão policial ao uso e porte de cannabis. Nota-se que há uma tentativa destes últimos de localizarem usuários e portadores de cannabis predominantemente com finalidade de corrupção e de suborno, já que as implicações legais para portadores de pequenas quantidades são bastante graves, situações em que muitos usuários recreativos são obrigados, muitas vezes, a se desfazer de objetos pessoais, para pagar suborno a policiais. Neste sentido, seria muito desejável que a legislação na grande maioria dos países se adequasse às diferenças verificadas na clínica da dependência, que demonstra haver diferenças bastante específicas para cada substância utilizada, ou para o uso concomitante de duas ou mais substâncias.

A experiência de Liverpool do psiquiatra Jonh Marks e do antropólogo Anthony Henman demonstra muito claramente como o fato da legislação ser rígida e proibitiva apenas reforça ainda mais as características transgressoras deste ato no meio social ( MARKS, 1994). É claro também como foi importante neste projeto a existência de uma rede médica de apoio capaz de dar suporte psiquiátrico e social a todos os dependentes que procurassem assistência. Medicações ou drogas podiam ser obtidos nas farmácias da cidade com receitas controladas. Em 10 anos notou-se uma redução espantosa na prevalência de dependentes daquela região, para todas as drogas ilícitas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram acompanhados, por um período médio de nove meses, 20 pacientes do sexo masculino, com idade entre 16 e 28 anos, que procuraram o PROAD / UNIFESP (Programa de Orientação e Atendimento ao Dependente - Universidade Federal de São Paulo) em São Paulo, Brasil, no período de Agosto de 1995 a Setembro de 1996. Estes pacientes recebiam atendimento clínico psiquiátrico semanal e não apresentavam outros diagnósticos clínicos e psiquiátricos no período anterior e durante o acompanhamento a que se submeteram.

Estes pacientes não receberam qualquer medicação para sintomas de abstinência, e tal conduta era tomada após o relato espontâneo destes indivíduos de estar usando cannabis com a finalidade de atenuar estes sintomas. Quando isto ocorria, estes indivíduos passavam a fazer parte da amostra deste projeto e eram assim excluídos quanto ao uso de medicações que pudessem atenuar os sintomas de abstinência, como por exemplo anti-depressivos tricíclicos, inibidores da recaptação de serotonina e ansiolíticos. O relato sobre o uso de cannabis com essa finalidade geralmente ocorria na primeira ou segunda consulta e era trazido sempre com uma certa culpa, pelo fato de não imaginarem qual seria a reação do psiquiatra a este uso.
Estes indivíduos eram todos solteiros, apresentavam cerca de 6,7 anos de escolaridade e quatro destes indivíduos desistiram de seus tratamentos antes de concluírem três meses de acompanhamento. Todos os indivíduos incluídos na amostra apresentavam dependência grave por crack segundo o checklist do DSM-III-R, no momento da primeira avaliação.

DISCUSSÃO E RESULTADOS

Todos os pacientes incluídos nesta amostra que permaneceram sob acompanhamento psiquiátrico por nove meses referiram que a cannabis trazia uma redução da ansiedade e mudanças subjetivas e concretas em seus comportamentos. No Brasil e especificamente na periferia de São Paulo, local onde moram a maioria destes pacientes há uma distinção clara por parte dos usuários de drogas ilícitas entre a cannabis e a cocaína, inalada ou fumada. Foi observado que o padrão de uso de cannabis por estes indivíduos apresentava um pico nos primeiros três meses, em que este uso era diário, onde usavam em média três a quatro cigarros. Nos meses subseqüentes houve uma redução espontânea deste uso em 14 pacientes podendo classificá-los como usuários recreativos desta substância, ao final dos nove meses. Esta redução foi acompanhada com facilidade no manejo da maioria dos casos, onde muitos citavam que os efeitos avolitivos advindos do uso pesado de cannabis acabava sendo indesejado, facilitando esta mudança no padrão de uso. Em relação aos efeitos agudos do uso de cannabis por estes indivíduos durante este período, os mesmos relatam que sentiam uma diminuição importante da ansiedade e dos sintomas de "fissura", ganho de peso importante, melhora do sono e menor necessidade de sair para procurar amigos ou outras drogas. Citavam também que a manutenção do ritual de preparo do "baseado" ou cigarro de cannabis parecia ser algo que trazia um certo alívio na tentativa de não usar o crack. Como o crack também é fumado, esses indivíduos referiam que o preparo do cigarro reproduzia subjetivamente o preparo do cachimbo para uso do crack. Contudo ao contrário do crack, que é usado nas grandes cidades, geralmente de forma grupal em favelas ou casas abandonadas onde passam dias muitas vezes sem se alimentarem, o uso de cannabis para estes indivíduos geralmente é solitário, na própria casa do usuário. Estes referem que passam a ficar mais em suas residências, ajudando em alguns serviços de casa, vendo TV, ouvindo músicas e dormindo mais horas por dia do que anteriormente.

Um trabalho realizado na Jamaica (DREHER,1994), procurou avaliar dois grupos de gestantes jamaicanas que eram divididos segundo o hábito de fumar ou não cannabis neste período. Este trabalho foi realizado utilizando-se uma abordagem etnográfica e é importante ressaltar que as mães classificadas como usuárias faziam este uso em um contexto religioso, como comumemente acontece na zona rural daquele país. Os filhos destas mulheres eram então avaliados segundo uma escala de avaliação minuciosa para neonatos e os resultados demonstraram que os filhos das mães do grupo de fumantes apresentaram um desempenho nos itens desta escala, superior ao grupo controle. Os autores, na discussão deste artigo fazem referência a um trabalho semelhante realizado com gestantes americanas onde os resultados encontrados foram os opostos ao trabalho realizado na Jamaica ( HINGSON, 1986). De posse destes dados é possível pensar que as diferenças culturais existentes entre os dois países seja responsável por estes resultados opostos. A mãe jamaicana faz um uso religioso de cannabis e se encontra sintônica com a cultura de seu povo; já a mãe americana deve se sentir mais culpada, seu uso não é aceito pela cultura local devendo ocupar uma posição social marginalizada, aproximando-se culturalmente dos dependentes de outras drogas.

Este artigo tem fundamental importância para tentarmos estabelecer uma compreensão socio-cultural e psicológica destes achados. Como já foi citado anteriormente, a cannabis é vista pelos dependentes no Brasil como uma droga que ocupa um espaço diferenciado em relação a outra drogas ilícitas presentes no país. Esta inserção cultural não se aproxima do uso ritualizado dos jamaicanos , mas também não se assemelha à cultura americana dominante, para os quais todas as drogas representam algo perigoso, que deve ser evitado de qualquer forma. Neste sentido, a abordagem utilizada pelos autores, etnográfica, é muito mais adequada ao objeto que está procurando se delimitar. É extremamente redutivista ter a pretensão de acharmos que conseguiremos, através de questionários padronizados, reproduzir aspectos subjetivos do estado de consciência induzido pela cannabis ou outras substâncias com efeitos semelhantes.

Estas colocações, no entanto devem ser bastante relativizadas, procurando-se não generalizar traços dominantes em uma determinada cultura, como se toda uma cultura pudesse ser alguma vez redutível às tentativas humanas de expressá-la. Dizemos isso, por que apesar de me referir à cultura norte-americana da forma que fizemos, podemos levar a uma confusa e infeliz generalização. Esta constatação pode ser exemplificada pelo fato de sabermos que na região sudoeste dos EUA, especialmente na Califórnia, existem muitos pesquisadores trabalhando com cannabis e outros alucinógenos para uma posterior possibilidade de uso terapêutico em diferentes quadros citados na introdução deste artigo. Além disso, em uma decisão inédita neste Estado, houve recentemente a liberação legal para o uso médico de cannabis em algumas situações clínicas específicas.

Bibliografia

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ZINBERG, N.,E.- (1979) On cannabis and health. Journal of psychedelic drugs 6 : 34-41
ZOJA, L. - (1992) Nascer não basta . Ed. Axis Mundi, São Paulo.


Eliseu Labigalini Junior & Lúcio Ribeiro Rodrigues.*

terça-feira, 19 de abril de 2011

NOSSAS ESTRELAS: JOÃO BOSCO E CÉU - DE FRENTRE PRO CRIME

UNIVERSIDADE POPULAR: NO CAMINHO, O DEVIR SOLIDARIEDADE E A POTÊNCIA DOS COLETIVOS...Jorge Bichuetti

A Universidade Popular Juvenal Arduini é um processo autogestivo e autoanalítico, insituinte, libertário que se dá no caminho: Educação-peregrina, educação-andarilha, educação-nômade: uma educação em movimento...
A Upop-JA caminha e se produz no diálogo, criatividade transversal; no encontro, alegria da arte, arte da alegria; numa suavidade insurgente de amizade e partilha...


Feito de e na criticidade... Problematiza, questiona e inventa saídas, linhas de fuga, um outro mundo possível...

Vê o mundo e o percebe: violento, excludente, repetitivo e normativo; narcísico e de individualismo, consumismo, competição, ganância e espoliações...Um sistema de reprodução da exploração, dominação e mistificação...

Estamos numa caminhada com espaços coletivos de produção: arte, cuidado, práticas sociais e ecologia...

Outros espaços coletivos de produção virão...

Montamos um cineclube e um cineclube na periferia...

Chamamos aos blogueiros para a organização de um encontro de blogueiros, pela vida e pela liberdade...

Caminhamos... Obstinados, infatigáveis, destemidos, incnsáveis... um ser-caminho...a

Caminhando agregamos novas definições que nos delimitam e nos norteiam...
Emergiu no último encontro, nos encontramos do segundo sábado do mês, um clarão, um farol, um novo alicerce...

A vida e a mudança só se dá no coletivo, nas coletividades e no coletivismo...
O ser humano se vulnerabilizou, se decompôs e se restringiu, perdeu potência, quando se viu enredado num individualismo regressivo e restritivo... Não damos conta de nada na solidão empoeirada e nublado do narcisismo e da verdade personalizada. Não mudamos a vida e o mundo com o socius fragmento, segregado e segmentarizado... Reinventar a vida e o mundo exige a superação do individualismo e a reconstrução do encontro, dos grupos, tribos, coletivos...

O grupo pode onde o um cai na impotência ou na eloquência estéril...
A coletividade se pensa, se problematiza, encontra saídas e autonomizadas se reinventa e reinventa o mundo...

A coletividade pode... é a força da comunidade, das classes sociais, da multidão... Grupos para si... Grupos sujeitos e não grupos assujeitados...
E essa potência é um paradigma ético, político, sociológico e existencial: o se social, o ser da história, o ser que toma as rédeas do próprio destino... Juntos, com, no entre das trocas e partilhas...

Assim, nos percebemos: coletivo que crê na coletividade - ação e reflexão- , e no coletivismo reconhecemos os valores éticos e as potências do que pode a vida e o mundo imersos no paradigma da solidariedade, da inclusão social e na ética do bem comum...


http://jorgebichuetti.blogspot.com/


 

O CRACK E OS CRAQUES: PERVERSÃO OU TRANSGRESSÃO; ESPETÁCULO, SIMULACRO E DILUIÇÃO... Jorge Bichuetti

... " tá lá um corpo estendido no chão,
em vez de uma prece uma praga de alguém;
e um silêncio servindo de amém."


Não se pode mais silenciar. A dor já uma pandemia... de lágrimas, vidas ceifadas e um caos instado no coração da vida e do mundo.

De todas as idades, homens e mulheres, pobres e ricos... a dependência química é uma chaga aberta no socius.

Diabolizar o problema é somente uma nuvem de fumaça que nos iludem e mantém a dor no seu canibal movimento de destruição e morte.

O crack agravou a dura realidade prévia... O sofrimento dos dependentes e a vulnerabilidade social de grupos e coletivos que se vêem ameaçados pelos efeitos psíquicos, sociais e ecossociais da dependência química.

Criminalizamos, discriminamos, segregamos, marginalizamos... e só aumentamos com isso a gravidade da crise instalado nas entranhas da vida.
O estado vê um crime; os moralistas, um pecado; a psicanálise, uma perversão...

O crack agrava: é voraz, rápido, é mortífero... e mais acessível, economicamente, disseminando o problema.

Não é crime; não é pecado... Sempre a humanidade usou de psicoativos para alterar seu funcionamento psíquico.

Rotelli afirma que a droga é um amplificador da consciência...

Deleuze assevera que é uma experimentação vital...

E ambos, identificam na repetição, na compulsão, no uso dependente e exagerado, um buraco negro; no buraco negro, o esvaziamento de sentido e a morte.

A psicanálise generaliza o problema o situando na falência da função paterna e num funcionamento que não suporta a falta e busca o prazer oceânico...

Uma linha... Não se pode mais pensar nas totalizações explicativas; o ser humano não se reduz a uma codificação, não somos codificáveis, somos a complexidade e a diversidade e somos a vida imersa numa realidade histórica-social...

Todos observam um elemento químico: não se produziu drogas que fossem suaves e ternas; elas se impõem e geram mecanismos químicos de tolerância e dependência...

Não é só... há a economia informal que apresenta uma funcionalidade na dinâmica do própria capitalismo.

Há a lei... que cria o submundo; pois, criminaliza, excluindo...
E há um socius cinzento, a ponto de Frei Beto afirmar que ninguém suporta a normalidade.

Vejamos outros dados...

Deleuze advoga que já não funcionamos com o desejo investido nos traços mnésícos e nos afetos com outrora foi visto pelos divãs dos psicanalistas. para ele, hoje, o desejo investe nas percepções, internas e externas... E as drogas, deste modo, incrementam o próprio desejo...

Porém, intensificam, cria uma altíssima velocidade, uma intensa e profunda desterritorialização que leva à fronteira, ao limite... Ali, se não se cria uma linha de fuga, um devir, uma vida nova... Gira-se repetidamente no uso complusivo e no abismo da morte inscrita como destino no próprio corpo...

Rotelli emerge e diz: temos que ser mais alegres, vivos, encantadores do que o universo das drogas... Só assim cuidaremos... só assim reabilitaremos e geraremos vida energizada e potente, que permitirá a libertação dos mecanismos autodestrutivos do buraco negro...

O crack pode ser enfrentado... revela-nos os que cuidam reduzindo danos e criando vida e sociabilidades alegres e solidárias... A rebeldia, a transgressão no afirmativo de uma vida insurgente, cheia de coragem e ousadia...

Há crack... e a morte no crack... Porém, não é ele o único analisador da nossa sociedade e dos nossos tempos.

Há craques.. e não nos parece que são os paradigmas da liberdade, da alteridade e da vida.

Há muita morte entremeada ao fenómeno dos craques... Contudo, são ídolos, idolatrados...São a vitória e a fama; o sucesso, os que se deram bem...

Os craques nos revelam... Vida de palco, de espetáculo... O circo não pode parar... Vida de flash, fotografias, notícias da mídia e mitos que não conseguem vive a própria humanidade...

Num tempo de simulacros... são a dissimulação do simulacro... Ou um simulacro artificial...

Num tempo de vida líquida, são a solidez do corpo-espetáculo que artifialmente encarnam um simulacro e tecem o seu drama, trama, comédia...

Guardam a dor da liquidez da alma diluído nos liquidificadores da fama...

Não há como negar crack e craques são sintomas de uma sociabilidade vazia, individualista, consumista e idólatra...

Se amamos a vida e se a desejamos liberta, vitalizante e pulsante, reinventemos o mundo: criemos um mundo sociabilidade solidária, de direito à diferença e à singularidade... Reinventemos a alegria...

A tristeza, o cinza não o crack... nem rehumaniza os craques...

http://jorgebichuetti.blogspot.com/



 

segunda-feira, 18 de abril de 2011

NOSSAS ESTRELAS: ERNESTO CHE GUEVARA - DISCURSO REVOLUCIONÁRIO

NOSSAS ESTRELAS: ERNESTO CHE GUEVARA

"O socialismo não é uma sociedade beneficente, não é um regime utópico, baseado na bondade do homem como homem.

O socialismo é um regime a que se chega historicamente e que tem por base a socialização dos bens fundamentais de produção e a distribuição equitativa de todas as riquezas da sociedade, numa sitação de produção social.

 Isto... é, a produção criada pelo capitalismo: as grandes fábricas, a grande pecuária capitalista, a grande agricultura capitalista, os locais onde o trabalho humano era feito em comunidade, em sociedade; mas naquela época o aproveitamento do fruto do trabalho era feito pelos capitalistas individialmente, pela classe exploradora, pelos proprietários jurídicos dos bens de produção."

Che Guevara

"... Para que alcances as estrelas, para que teus sonhos se cumpram, só tens que desejá-los de coração, com todas as forças de tua alma e lutar, lutar sem fraquejar para conseguí-lo.

Ainda que não alcances o topo, a paisagem que se avista desde a montanha, também é magnífica."

Che Guevara

Droga não é demônio - Revista Época


É possível que nunca tenha se falado tanto em drogas como hoje, pelo menos como caso de polícia ou de saúde pública. Nos anos 60, quando as drogas faziam parte do movimento de contracultura, o olhar sobre elas e a função que desempenhavam era outro. E os “malucos beleza” eram vistos de forma muito diversa dos consumidores de crack de agora. A própria diferença de linguagem é reveladora, já que antes se “experimentava” drogas, com a ideia de ampliação de consciência – e hoje se “consome”, como tudo. Um verbo expressa uma vivência – outro o uso. O que mudou, para que o crack tenha se tornado tema de campanha eleitoral, assunto para candidatos à presidência do país?


Ao acompanhar o debate travado em várias instâncias, me parece empobrecedor que um tema tão amplo e cheio de nuances seja reduzido a apenas dois discursos, duas maneiras de olhar: ou é caso de polícia/segurança ou é caso de saúde pública – ou de ambos. Será que estas duas abordagens – repressão e cura – dão conta da complexidade da questão? Desconfio que não.


Por outro lado, me parece bastante curioso que o debate sobre as drogas ilegais atinja esse nível de decibéis justamente numa época em que há um consumo massivo de drogas lícitas, na forma de antidepressivos, ansiolíticos e hipnóticos, receitadas por médicos das mais variadas especialidades. Drogas para ser feliz, para ficar calmo, para dormir. Sem contar as drogas para perder o apetite e aumentar o desejo sexual.


Por que algumas se tornam um problema e outras são vendidas como solução? Quem determina o que o indivíduo pode consumir? E com quais argumentos? E por que aquela que possivelmente seja a droga que causa mais estrago na nossa sociedade – o álcool – é abordada com muito menos estridência?


Ao acompanhar o debate, me chama a atenção o fato de a droga ser encarada como uma espécie de alienígena, desenraizada da sociedade em que é usada e produz sentidos. É como se ela fosse um demônio ou um vírus que entra no corpo à revelia de todo o contexto – desligada de tudo e de todos. E que bastaria ou exorcizá-la, do ponto de vista religioso, ou extirpá-la, no campo da medicina, para que o problema acabasse. Ou ainda reprimir, na visão policial.


Parece que não é tão simples assim – ou o problema já seria menor. Se os mais diversos tipos de drogas sempre foram usados por todas as sociedades, em diferentes momentos históricos, por que a nossa não consegue lidar com elas? Será que não valeria a pena, além de reprimir e tentar “curar”, pensar um pouco mais nos porquês?
É exatamente por ser uma questão que produz muito sofrimento é que acho importante refletirmos sobre ela com mais amplidão – e alargar nosso campo de visão. Em busca de respostas – não definitivas, mas possibilidades de respostas –, procurei o psicanalista Eduardo Mendes Ribeiro. Ele é membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), mestre em Filosofia pela PUC/RS, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor do Ministério da Saúde na Política de Humanização do SUS. Estuda o tema das drogas desde os anos 90 e tem vários artigos publicados sobre o assunto.


Nesta conversa, ele nos ajuda a pensar sobre uma questão tão crucial – para além dos estereótipos.

EuHoje, as drogas ou são caso de polícia ou de cura. É como se toda a complexidade da questão coubesse nesses dois modos de ver e não existisse outra possibilidade de abordagem. Por quê?
Eduardo Mendes Ribeiro – Por ao menos duas razões: a primeira é a tendência à simplificação do problema, o que, em tese, ajudaria a entendê-lo e enfrentá-lo. Por essa via, elege-se a droga como a causa do mal e os traficantes como os agentes promotores deste mal. Ora, sendo assim, é fácil concluir que o que devemos fazer é, por um lado, tentar evitar que o mal nos atinja: repressão. E, por outro, se fracassarmos no primeiro intento, temos de extrair o mal de nossos corpos: desintoxicação e abstinência. Essa visão também nos poupa dos complexos e incômodos questionamentos acerca das razões pelas quais tantas pessoas decidem se drogar.

EuE quais seriam esses questionamentos tão incômodos? Afinal, por que tantos se drogam, legal e ilegalmente?
Ribeiro - São questionamentos relacionados aos conflitos psíquicos que cada um de nós vivencia: inibições, frustrações, angústias, etc. É muito mais incômodo enfrentar estes fantasmas do que usar uma droga que pode fazer nosso humor melhorar quase imediatamente. O problema é que os fantasmas continuam lá – e nem sempre em silêncio.

EuEm sua opinião, quem é mais drogado? O consumidor de crack do centro de São Paulo ou uma faixa significativa da população mais idosa – assim como muitos jovens – que consome tranquilizantes todo dia?
Ribeiro - Atualmente, há uma tendência de se avaliar o grau de gravidade de uma dependência não mais através de escalas quantitativas de intensidade e frequência, mas a partir dos efeitos que essa prática produz na vida de cada sujeito. Nesse sentido, é provável que aquelas pessoas que passam o dia fumando pedra vivenciem um empobrecimento maior de suas interações sociais, além de se manterem em situações de maior vulnerabilidade. Mas, por outro lado, não há razão para acreditarmos que aqueles que vivem uma vida entorpecida estejam em uma situação muito melhor.

EuMas por que o crack incomoda e a população que vive uma vida entorpecida não?
Ribeiro - O usuário de crack, ao menos o usuário estereotipado, com maior visibilidade, é alguém que expõe tudo o que nossa sociedade quer evitar: descontrole, desamparo, vulnerabilidade, improdutividade, laços sociais frágeis, ausência de projeto de futuro, etc. O sujeito entorpecido é muito mais identificado com as crenças e valores que nos orientam: ele é visto como um doente em tratamento, ou seja, ele tem um problema que nossa sociedade, através de seus saberes e especialistas, está tratando. Está tudo em seu lugar...

EuPor que o crack virou, hoje, um tema da política, como podemos ver nesse início de campanha eleitoral entre os candidatos a presidente?
Ribeiro - Talvez porque o crescimento rápido do número de dependentes e sua visibilidade pública façam com que se concentrem nesse fenômeno os temores relativos à fragilização de nosso laço social. Os crackeiros espelham, paradoxal e simultaneamente, nossos maiores sonhos e pesadelos: ansiamos por prazer e descompromisso, mas sabemos que precisamos de um conjunto de relações sociais que nos sustentem enquanto sujeitos. Infelizmente, a maior parte dos discursos político-eleitorais é dirigida à promessa de medidas voltadas ao fortalecimento do aparato repressivo e à criação de mais vagas para internação/desintoxicação de dependentes, que é o que responde aos anseios imediatos dos eleitores.

EuE como ampliar a abordagem dessa questão, para além da repressão e da cura?
Ribeiro - Nenhum país do mundo resolveu o problema da dependência de drogas por uma razão muito simples: não se trata de um problema de drogas, mas, sim, dos efeitos do tipo de laço social que construímos. Acho que o que podemos fazer é aumentar o repertório de alternativas através das quais as pessoas possam produzir para si um lugar social. Isto pode se dar de várias formas: através da educação, do esporte, da arte ou mesmo da religião. Mas, é claro que precisamos também de políticas de saúde para acolher e tratar aqueles que não conseguem mais controlar seu uso de drogas. Nessa direção, é preciso avançar na implementação do que já está previsto na Reforma Psiquiátrica e na atual Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Quando recebo um usuário de drogas em busca de tratamento, costumo propor que falemos de qualquer coisa, menos de drogas. Acho que é disso que eles precisam: encontrar outras coisas capazes de lhes interessar. De drogas eles já falam bastante.

EuPraticamente todas as sociedades usaram drogas, mas parece que só na nossa elas se tornaram um problema. Pelo menos um problema nessas proporções. Por que nossa sociedade, diferentemente de outras, não sabe como lidar com as drogas?
Ribeiro - Na maior parte das sociedades conhecidas, as drogas eram consumidas com alguma forma de controle social. Isto não significa que havia mecanismos repressivos para coibir abusos. Ao contrário, significa que havia um conjunto de entendimentos compartilhados que orientava o uso, em determinadas situações e com determinadas finalidades. Isso poderia se dar em rituais de cura, de mediação com o sagrado ou mesmo com finalidades orgiásticas, para aliviar tensões e produzir prazer. O conhecimento que temos acerca do uso de drogas em outras sociedades nos mostra que, se ele ocorresse com alguma forma de controle social, não trazia problemas pessoais ou para a comunidade. Provocar alterações dos estados de consciência representava algo de extraordinário que acontecia em situações muito específicas. Em nossa sociedade, este tipo de uso ocorre, por exemplo, no Carnaval, quando muitas pessoas se autorizam a fazer coisas que não fazem em seu cotidiano, o que inclui um consumo maior de drogas. E depois voltam à rotina.

EuE o que aconteceu na sociedade ocidental moderna para que a droga passasse a se integrar ao cotidiano e ser usada para o gozo individual?
Ribeiro - O desenvolvimento do liberalismo político e econômico trouxe consigo a constituição de um ethos fortemente individualista. A modernidade rompeu com o passado, afirmando o poder de autodeterminação dos indivíduos. No início, ainda se manteve orientada por um ideal coletivo, representado pelo progresso da ciência. Acreditava-se então que a ciência seria capaz de nos revelar, cada vez mais, o que era real e verdadeiro. Entretanto, no decorrer dos últimos séculos, esse ideal não cumpriu com suas promessas, como tampouco o fizeram outros ideais sociais, como o socialista e aqueles propostos pelos movimentos contraculturais. É nesse contexto que os laços sociais construídos a partir da tradição – passado – ou de projetos coletivos – futuro – se encontram desgastados, produzindo um achatamento do tempo e a percepção de que o que há para ser vivido tem que ocorrer agora. Os interesses pessoais e a pressa são elementos presentes em nosso cotidiano. E é nessa realidade que proliferam diferentes modalidades de uso de drogas: ora para aliviar tensões, ora para potencializar desempenhos.

EuHoje há uma satanização das drogas, como se elas possuíssem a pessoa à revelia. Como se o processo de se drogar fosse externo ao indivíduo – e não algo movido por questões e necessidades internas, que começou pela escolha daquela pessoa de usar determinada droga, ainda que depois possa ter perdido o controle. Por quê?
Ribeiro - Diante de certos efeitos indesejáveis da ordem social moderna, tendemos a produzir práticas e representações originadas nos tempos pré-modernos. Explicando melhor: mesmo considerando que nossa sociedade se constituiu em torno de uma ética da responsabilidade – temos autonomia para pensar e agir, mas precisamos responder por nossos atos –, a consagração da visão simplista que sataniza as drogas representa um retorno às velhas crenças animistas que atribuem poderes e intenções a substâncias inanimadas. Algumas interpretações antropológicas evolucionistas defendiam que, no campo religioso, haveria um processo de “evolução” das sociedades. Ou seja: em seu início atribuíam poderes sobrenaturais a seres ou forças da natureza, depois teriam vindo as sociedades politeístas e, finalmente, as monoteístas. Estas teses evolucionistas encontram-se desacreditadas no campo antropológico, mas é fato que muitas sociedades “simples” acreditavam no poder sobrenatural de certas substâncias naturais. É um pouco como alguns setores da sociedade enxergam as drogas hoje.

EuEm um de seus artigos, você diz que, no início, as igrejas viam as drogas, todas elas, como coisa do demônio. Já a ciência se contrapunha a esta visão, apostando na autonomia das consciências. Hoje, ambas parecem demonizar as drogas. O que isso significa?
Ribeiro - Na Idade Média, a Igreja condenava o uso de drogas por razões teológicas: “só Deus tem o poder de curar”. Mas também por disputas de mercado envolvendo fé e poder, pois não lhe interessava permitir o crescimento da influência de feiticeiras e curandeiros. Hoje, esse discurso mudou e a condenação que grande parte das igrejas faz ao uso de drogas é fundamentada em sua suposta associação a práticas libertinas, hedonistas e promíscuas. Assim como também é uma eficaz estratégia de marketing para algumas denominações. Basta observar que muitos dos pastores se apresentam como ex-usuários de drogas que, com a ajuda de Deus – e da igreja, através dos dízimos –, conseguiram se libertar. Esse trânsito, das drogas para a religião, é muito frequente.

EuE a ciência?
Ribeiro - O deslocamento operado no campo científico é mais sutil. Partiu da afirmação do direito de qualquer um poder usar a droga que quiser e de uma posição liberal, em que o direito de experimentação fazia parte do processo em que se dava o progresso da ciência. Vale a pena lembrar que até o início do século passado todas as drogas conhecidas eram vendidas livremente em farmácias. Partiu-se disso para uma pretensão de controle e prescrição de uso. Ou seja, as drogas são instrumentos importantes no combate a doenças e na produção de bem-estar, mas seu uso deve ser orientado pelo saber científico, o quer exclui, evidentemente, as modalidades de uso espontâneas.

EuA abordagem atual das drogas parece intimamente ligada à questão do poder e do controle. Como você vê essa relação?
Ribeiro - Atualmente, a forma hegemônica de abordar a questão é resultante de um conjunto de fatores que pouco ou nada tem a ver com os que determinam o consumo. As estratégias de controle e repressão social defendidas por grupos orientados por ideais religiosos e/ou totalitários é um deles. Mesmo considerando que vivemos em uma sociedade fundada a partir de uma ética da responsabilidade – somos responsáveis pelos nossos atos e respondemos por eles – ou justamente por isso, convivemos com grupos que temem os efeitos dessa liberdade. Em vez de uma multiplicidade de formas de pensar e agir, eles prefeririam que todos agissem conforme seus princípios e crenças. Essa posição não se manifesta apenas no campo estritamente religioso, podendo estar presente em diferentes segmentos sociais. Nesse sentido, combate-se o uso de drogas porque ele seria potencialmente subversivo, pouco controlável. Outro fator são os interesses políticos e econômicos de laboratórios e setores da corporação médica, que reivindicam a exclusividade do direito de manipular corpos e mentes. Com o passar do tempo, no contexto da modernidade, o uso de drogas passou a ser cada vez menos controlado socialmente, seja por rituais tradicionais e/ou religiosos, seja por saberes autorizados, como médicos, curandeiros, etc. Este uso “individual” e espontâneo foge ao controle, não podendo ser utilizado como instrumento de poder político ou econômico. Daí a insistência em manter a produção e autorização de consumo de drogas sob o controle de laboratórios e médicos, respectivamente.

EuVocê não acredita que a repressão possa causar a redução do consumo?
Ribeiro - Os conflitos oriundos da marginalização do comércio e consumo de algumas drogas acabam por produzir um senso comum que evita a complexidade da questão e produz a estigmatização dos usuários e a defesa de medidas paliativas – ainda que necessárias –, como a repressão do tráfico e o tratamento de dependentes. Basta lembrar o episódio da Lei Seca, nos Estados Unidos, para concluir que as estratégias repressivas pouco ou nada contribuíram para a diminuição do consumo. Pelo contrário, seu efeito foi de outra ordem: expansão da corrupção policial, aumento do número de problemas de saúde em função do consumo de drogas de má qualidade, criação de um mercado marginal e violento, etc. Essa avaliação foi feita pelo próprio governo dos Estados Unidos, por ocasião da promulgação do ato que aboliu a Lei Seca. Hoje, há um entendimento largamente difundido de que as drogas são a encarnação do mal em nossa sociedade. Trata-se de uma poderosa aliança entre os discursos religioso, científico e o da segurança pública. O mais produtivo seria abordar frontalmente o problema e reconhecer que o uso de drogas em nossa sociedade faz parte de nossa cultura, como fez de tantas outras. E que, em vez de lançar cruzadas antidrogas, hipócritas e inúteis, deveríamos discutir as diferentes modalidades de usos, lícitas e ilícitas, e encontrar formas de minimizar seus efeitos danosos, individuais e sociais. Acredito que essa realidade se constitui no campo das disputas simbólicas, onde se definem valores e sentidos.

EuComo assim?
Ribeiro - O que faz com que o uso de drogas assuma determinado valor e determinada função para algumas pessoas? Como intervir nessa realidade? É evidente que não bastam campanhas publicitárias afirmando que “fumar é brega” ou que o “crack mata”. Não são mais os saberes tradicionais, passados de pai para filho, que orientam nossa compreensão do mundo. Vivemos em uma sociedade fragmentada e individualista, mas que se articula através de uma complexa rede de relacionamentos, presenciais e virtuais. É nesse universo que os sentidos vão se definindo e se modificando. Sendo assim, é possível afirmar que, quanto maior for a troca de idéias e experiências, menor será a possibilidade de um ou mais discursos assumirem uma posição de domínio. Acredito que ganharíamos muito se “gastássemos” essa discussão sobre as drogas, diminuindo sua importância, fazendo com que elas deixem de ser vistas como solução de todos os problemas ou como causadora de todos os males.

EuVivemos numa sociedade onde se consome muitas drogas legais, parte delas receitada por médicos das mais variadas especialidades. A mesma sociedade que parece ficar um pouco histérica com o crack, por exemplo, não parece ver nenhum problema na massificação do uso de antidepressivos e ansiolíticos. Por que algumas drogas podem ser usadas e outras não? Umas são desejáveis e “terapêuticas” e outras são demonizadas? Qual é a diferença, afinal? Se tomamos drogas para dormir, para ficar feliz, para ficar calmo, para não sentir fome, para ter tesão, por que é ruim cheirar coca, fumar maconha e usar crack? Não estou dizendo que é bom, apenas questionando a lógica de que uma pode e a outra não, uma está incluída e a outra é marginal...
Ribeiro - Do ponto de vista do funcionamento subjetivo, não há nenhuma diferença entre cheirar cocaína, fumar maconha, usar crack ou beber cachaça, consumir antidepressivos, anfetaminas, ansiolíticos. É a mesma lógica: se faz uso de uma substância para produzir uma desejada alteração do estado de consciência e humor. É importante que se diga que as razões pelas quais algumas drogas são proibidas e outras não são proibidas não tem qualquer fundamento epidemiológico, médico, psicológico ou antropológico. Certas drogas são proibidas não por serem mais “fortes” ou “pesadas”, nem por terem maior potencial de criar dependência, ou por causarem mais problemas orgânicos. As origens da proibição podem ser buscadas em um conjunto de preconceitos morais e sectários do início do século XX. Nos Estados Unidos, por exemplo, a proibição de algumas drogas esteve ligada à desconfiança que os puritanos manifestavam com relação à massa de imigrantes que chegava às grandes cidades americanas no início do século. Assim, diferentes drogas foram associadas a diferentes etnias: a condenação do uso de ópio resultou das acusações de corrupção infantil feitas aos chineses; a cocaína era associada à permissividade sexual atribuída aos negros; a maconha à “invasão” dos mexicanos; e o álcool às “imoralidades” de judeus e irlandeses. É evidente que, posteriormente, os interesses econômicos – indústria de bebidas alcoólicas, de cigarros e laboratórios – passaram a atuar fortemente com vistas à manutenção de sua reserva de mercado. É sabido que hoje o maior número de dependentes de drogas é alcoolista. E o álcool é uma droga legal.

EuPor que está tudo certo se as drogas são receitadas por médicos, mas tudo errado se não? O problema estaria no controle, as que são consideradas ilegais seriam aquelas que não podem ser controladas por ninguém?
Ribeiro - Os remédios vendidos apenas sob prescrição médica não são as únicas drogas legais, nem as mais usadas. As bebidas alcoólicas não estão sob controle e podem produzir efeitos da mesma intensidade que os provocados por outras drogas lícitas e ilícitas. Portanto, o “controle” se refere muito mais a questões relativas à produção, circulação e, evidentemente, acumulação de lucros. Neste sentido, as drogas ilegais estão “fora do controle”.

EuQual é a aposta que se faz na droga? Como a droga se aproxima da sociedade de consumo na medida em que promete – e por um tempo realiza – a possibilidade de ser feliz ou do gozo pleno, tão caro à nossa época?
Ribeiro - Se considerarmos que o capitalismo produziu algo que seria da ordem de uma perversão no campo das relações sociais, na medida em que promoveu o que Marx chamou de “fetichismo das mercadorias”, poderíamos pensar que o aumento significativo de casos de dependência de drogas seria efeito de uma nova perversão, que se constitui como desdobramento da primeira. Ou seja: a lógica da sociedade de consumo se encontra orientada para um progressivo aumento na produção e consumo de bens, que, neste contexto, operam como mediadores das relações sociais, índices de prestígio e elementos produtores de identidades sociais. Entretanto, quando certas modalidades de uso de drogas fazem com que elas se tornem o objeto único de desejo, subverte-se a lógica capitalista. Paradoxalmente, a crença no poder dos objetos pode se constituir numa ameaça a um sistema alicerçado em torno do consumo. Na lógica capitalista, o prazer ou a felicidade que supostamente poderia ser alcançado através da posse de um objeto deve ser sempre parcial e efêmero, fazendo com que o desejo deslize para outros objetos, retroalimentando o sistema, que se constitui numa forma de laço social. O prazer derivado do uso de drogas, mesmo podendo ser intenso, também é parcial e efêmero. Mas, exatamente por sua intensidade e exclusividade, tende a deslocar o sujeito do contexto socialmente regulado de produção e consumo. Quando o sujeito passa a desejar um único objeto, ele deixa de consumir todos os demais. Além disso, dependentes de drogas também não costumam se manter atuantes em atividades laborais, o que faz com que ganhem pouco e consumam menos.

EuNesse sentido, a droga é antissocial, como nós mesmos o somos, preocupados apenas com a satisfação dos nossos desejos, independentemente do desejo do outro – e não de um projeto coletivo, mais amplo, que inclui o outro? A droga, portanto, se encaixa perfeitamente no modelo individualista, que não está nem aí para o que não é a sua vida ou a vida de uns poucos ao seu redor?
Ribeiro - Exatamente. Mas é importante que fique claro que não se trata de um entendimento fundado em algum tipo de imperativo moral de fraternidade. O risco do uso de drogas em uma sociedade individualista se dá em função de um equívoco, socialmente produzido, de pensar que somos – ou deveríamos ser – radicalmente livres. Segundo esse ideal, não deveríamos depender de ninguém. Por exemplo: deveríamos desfazer qualquer casamento, aliança ou sociedade no momento em que não mais nos conviesse. O problema é que só nos constituímos e nos sustentamos enquanto sujeitos a partir das relações que mantemos com outros sujeitos. Quanto mais frágeis forem estas relações, mais instáveis nos tornamos. E seremos mais dependentes de outras estratégias para nos prover de alguma consistência identitária. Nesse sentido, é possível afirmar que o uso de drogas pode passar a ser um problema para aqueles sujeitos que não assumem ou constroem relações sociais de dependência.

EuPara estes, a droga toma o lugar do que?
Ribeiro - Eles dependem da droga para não depender das relações com outras pessoas. É uma tentativa extrema e paradoxal de manter sua independência.

EuAs drogas legais, que mantêm o indivíduo produzindo e consumindo, não parecem ser vistas como um problema. Já as ilegais tornam-se um problema de polícia e/ou de saúde pública. Como você vê essa dicotomia de abordagem?
Ribeiro - Creio ser disseminado um equívoco intencional na abordagem dessa comparação entre os efeitos produzidos pelas drogas lícitas e ilícitas. Não há na literatura especializada nem nos estudos epidemiológicos qualquer evidência que fundamente o entendimento de que as drogas legais mantenham os sujeitos engajados socialmente, enquanto as ilegais produzam improdutividade. As estatísticas demonstram que a droga que mais incapacita seus usuários é o álcool, cujo consumo é legal. Além disso, faltam estudos que investiguem o quanto a prescrição excessiva de psicofármacos, por parte de médicos de diferentes especialidades, condena um grande número de sujeitos a uma vida anestesiada, desvitalizada. Se o médico está apenas preocupado em eliminar o sintoma de seu paciente, este é um processo que pode ir muito longe, porque dificilmente o sujeito apresenta uma única queixa. E, muitas vezes, novas queixas surgem como efeito das primeiras medicações. Assim, passado algum tempo, não há mais como saber o que está se passando com essa pessoa: o que é produto de sua história, de seus conflitos, e o que é efeito desta profusão de remédios. Na maior parte das vezes, o objetivo dessa orientação terapêutica é que o sujeito não sinta nada considerado indesejável. E esse objetivo é alcançado: o paciente não sente mais nada. Por outro lado, basta analisar as pesquisas epidemiológicas e as estatísticas policiais para comprovar que apenas uma ínfima parcela dos consumidores de drogas ilícitas se torna um dependente, incapaz de manter seus laços sociais, incluindo aí os laborais.

EuNão é curioso que o mesmo médico que receita drogas legais para anestesiar o sofrimento, já que sofrer parece ter virado uma anomalia, pretende “curar” os viciados em drogas ilegais?
Ribeiro - Temos aqui duas perspectivas diferentes: a do sujeito que busca uma ajuda para enfrentar seus sofrimentos, que podem ter múltiplos determinantes; e a destes médicos, que tendem a ver apenas o sintoma. Se o sujeito está deprimido, prescrevem-lhe um antidepressivo, se está ansioso, um ansiolítico. E assim por diante. Isso ocorre nos mais diversos contextos clínicos, não apenas no tratamento de dependentes de drogas. Por outro lado, a estratégia de prescrição de drogas de substituição, para combater a dependência a uma determinada droga, é muito antiga e largamente utilizada, principalmente nos Estados Unidos. Ela costuma funcionar quando a dependência é produzida por circunstâncias específicas e episódicas, como a utilização de morfina em feridos de guerra. Nos demais casos sua eficácia é muito duvidosa, pois parte da suposição de que foi a droga que viciou o sujeito.

EuE não foi a droga que o viciou?
Ribeiro - Esta é a principal questão: nenhuma droga vicia. São as pessoas que, eventualmente, se viciam com alguma droga. Isso lembra aquelas advertências de nossas avós, para que não aceitássemos balas de estranhos na saída do colégio, porque elas poderiam conter maconha e nós ficaríamos viciados. Ao contrário do que é veiculado pela maioria das campanhas, qualquer um de nós poderia experimentar até mesmo o crack algumas vezes, sem se viciar. É sempre um sujeito que decide usar uma droga e pode, ou não, optar por levar essa relação mais longe. É claro que existem sujeitos cujas circunstâncias fazem com que eles corram um maior risco na relação com a droga, mas as drogas não fazem nada, são substâncias inertes.

EuAs substâncias podem não ter poderes sobrenaturais, como acreditavam e acreditam algumas culturas, mas está provado que algumas substâncias causam dependência, em menor ou maior grau. O que você quer dizer, exatamente, quando afirma que a drogas não viciam?
Ribeiro - Ninguém questiona a existência da dependência de drogas, mas faz muita diferença quem é o sujeito da frase. Dizer que as drogas viciam é diferente de dizer que pessoas se viciam com drogas. O que afirmo é que, para se estabelecer uma dependência, alguém decidiu usar drogas. E é esta motivação, e a história da relação do sujeito com a droga, no contexto mais amplo de suas circunstâncias, que vai definir se ele se tornará um dependente – ou não. Também é importante observar que, no contexto do tratamento de uma dependência de drogas, a primeira etapa, a desintoxicação, é a mais rápida e fácil. Em duas ou três semanas já não há mais nenhuma substância com princípio psicoativo atuando no corpo do sujeito. E todos sabem que ele não está curado de sua dependência. Permanece uma espécie de "memória", que não é exclusivamente orgânica, nem exclusivamente psíquica, e que se encontra associada a certas situações e sensações que fazem parte da vida do sujeito. Assim, diante de determinado conflito familiar, ou determinada frustração, ele pode voltar a sentir uma "necessidade" de usar a droga a que costumava recorrer.

EuHoje há uma droga legal, adquirida com receita médica, para cada sentimento humano de desconforto ou conflito. Em que medida o fato de nossa sociedade considerar qualquer sofrimento um sintoma que precisa ser abafado e anestesiado com drogas influencia no uso das drogas ilegais?
Ribeiro - É verdade que os sintomas podem produzir sofrimento, mas, ao contrário do que acontece com as dores orgânicas, em que na maioria das vezes não há razão para não tentarmos eliminá-las, as dores psíquicas cumprem uma função importante de sinalizar a existência de um conflito que está exigindo uma resposta. Eliminar esse sinal apenas nos condena à impotência frente à causa de nosso sofrimento. E ao inevitável deslizamento, com a formação de outro sintoma, com o agravante de termos ainda que suportar os efeitos colaterais da medicação. Um conflito psíquico pode produzir sintomas, inibições, angústias e outros desconfortos. Geralmente isso perturba nossa vida, fazendo com que soframos com coisas que, para os outros, parecem banais. Esses conflitos podem ser tratados, mesmo que nunca completamente eliminados. Isso faz parte da vida de todos nós, mesmo fora do contexto de um tratamento psicológico: a gente tenta superar certas dificuldades, consegue alguns sucessos, volta a deparar com limites e carências, e a vida vai andando. Dá certo trabalho e não nos poupa de vários momentos de mal-estar, mas é a forma como assumimos a direção de nossas vidas – e pode também produzir muita satisfação. Algo diferente ocorre quando se busca evitar esse trabalho psíquico e o mal-estar que o acompanha: sofremos menos em um primeiro momento, mas perdemos a possibilidade de superar aquilo que está nos aprisionando: contornamos nossos conflitos sem nunca conseguir fazê-los mudar de lugar.

EuMas o quanto a visão contemporânea de que o sofrimento é sinônimo de fracasso e deve ser suprimido da vida tem a ver com o uso de drogas ilegais?
Ribeiro - Acredito que isso tem a ver com o uso de drogas em geral, e não apenas das drogas ilícitas. As estatísticas médicas e farmacêuticas indicam que vivemos em tempos de depressão. Nada de novo nessa constatação. Entretanto, chama a atenção o fato de outras avaliações de nossa sociedade apontarem para a direção oposta: cada vez mais percebemos a existência de uma cultura dinâmica, voltada para a busca de prazeres imediatos, que reconhece e valoriza quase todas as formas de gozo. Tornamo-nos maníacos e depressivos, mas não necessariamente ciclotímicos. Talvez seja mais preciso afirmar que uma sociedade maníaca tende a produzir subjetividades depressivas, pois se o ideal social que nos serve de referência preconiza que todo sofrimento deve ser superado, encontra-se desvalorizado todo aquele que não consegue se ajustar aos modelos de felicidade propostos. Não é difícil entender o quanto o uso de drogas se “encaixa” bem nesse contexto: ele pode tanto nos aliviar de nossas frustrações quanto nos ajudar a melhorar nossos desempenhos. Basta escolher a droga certa para o momento certo.

EuVocê faz, em seus artigos, uma afirmação muito interessante – e bastante polêmica – sobre como o saber médico e o toxicômano veem a droga da mesma maneira. Você afirma que a teoria médica coincide com a do toxicômano, na medida em que procura isolar o aparelho psíquico para gozar dele como um órgão. Ou seja, com o auxílio de determinadas drogas pretende-se tanto curar um corpo doente como uma vida doente, sem problematizar as modalidades de relação com o outro. Como é isso?
Ribeiro - Tomemos o exemplo fictício, mas não incomum, de um adolescente que cotidianamente observa seu pai chegar em casa meio estressado e tomar umas doses de cachaça ou uísque; sua mãe consumir religiosamente seu ansiolítico; o médico da família, frente ao primeiro sinal de tristeza e abatimento, receitar um antidepressivo. Esse adolescente, diante das angústias próprias de sua idade, teria alguma razão para se recusar a fazer uso de um cigarro de maconha de vez em quando? Qual seria a diferença? Nesse exemplo, estamos longe de uma toxicomania, mas percebemos uma mesma lógica, que pode vir a ser acionada em situações extraordinárias, como a de uma dependência de drogas. Isso nos lembra do Millôr, que afirmava ter nascido com duas doses de uísque a menos, pois, quando as tomava, se sentia muito melhor. É a mesma coisa: se a psique é vista como um órgão, e se o remédio faz com que este órgão funcione melhor, deduz-se que era ele o que estava faltando. Ou seja, depois de procurar curar o corpo, o órgão doente, hoje se pretende curar a vida doente.

EuO crack é a droga do momento, a grande epidemia. Você acha que o crack é diferente das outras drogas e deve ter uma abordagem diferente?
Ribeiro - Mesmo que se faça uma crítica a muitas abordagens acerca do uso de drogas e às propostas hegemônicas para enfrentar o problema – e é importante que a crítica seja feita –, não há como deixar de reconhecer que se trata de um problema social que exige respostas urgentes. Entretanto, independentemente do tipo de droga utilizada, e mesmo que se reconheça a enorme diferença que existe entre os efeitos do consumo de maconha e de crack, por exemplo, não acredito que devamos nos dedicar à proposição de “estratégias para combate do uso de drogas” ou de uma “clínica da dependência de drogas”. Da mesma forma que não acredito em uma “clínica da depressão” ou uma clínica da “síndrome do pânico”. Em vez de reduzirmos o sujeito ao seu sintoma, ganharíamos mais diversificando nossas estratégias para operar uma “clínica do sujeito”, levando em consideração os contextos sociais em que essas subjetividades são produzidas.

EuE como seria uma “clínica do sujeito”?
Ribeiro - Parto do entendimento de que cada sujeito é absolutamente singular, o que faz com que o trabalho terapêutico também tenha que ser construído caso a caso. É nesse sentido que recuso a idéia de uma “clínica da toxicomania”, como se esses sujeitos compusessem um conjunto, com problemas e saídas semelhantes. Mas é possível propor algumas estratégias e linhas de ação. Nos casos menos graves, atendidos em consultórios e ambulatórios, entendo que o uso de drogas deva ser abordado no contexto da história e do conjunto de relações mantidas por cada pessoa. Não é o uso de drogas que define sua posição subjetiva e o seu sofrimento, mas o contrário: a relação que ele estabelece com as drogas é resultante da forma como ele vivencia seus conflitos e relações. Já nos casos mais graves, em que há uma perda de autonomia do sujeito, se torna necessária uma vinculação institucional, de preferência sem internação, através da qual ele possa contar com o apoio de uma equipe multiprofissional que lhe auxilie em seu processo de reinserção social.

EuComo você vê os tratamentos oferecidos para “curar” a drogadicão, que em geral partem de uma oferta da medicina ou da religião ou de uma aliança entre ambas?
Ribeiro - A maioria dos dependentes de drogas que procuram – ou são levados a – tratamento se encontra em uma situação de fragilidade de suas inserções sociais. Normalmente não estão trabalhando ou estudando e vivenciam conflitos no âmbito familiar. Experimentam um sentimento de anomia, em uma errância que tem como únicos pontos de referência os caminhos que levam à droga. Ora, essa situação produz muita angústia, e não raro desespero. Diante dessa realidade, não é de surpreender que as ofertas de certas comunidades religiosas exerçam forte sedução, afinal elas prometem uma pertença comunitária, uma visão de mundo estruturada e uma função revestida de importância e dignidade – “a construção da Obra do Senhor”. Mas essa “solução” cobra seu preço, e não é barato: espera-se do sujeito que ele seja capaz de abrir mão de seus conflitos, ou seja, de sua história, e se engaje incondicionalmente em um projeto coletivo, que ele já recebe pronto. As correntes mais biológicas da psiquiatria, muitas vezes aliadas a determinadas versões da psicologia cognitivo-comportamental, apresentam outro entendimento do problema, de onde deriva outra proposta terapêutica. Esta é direcionada a uma reprogramação da mente e do comportamento, visando sua “normalização”. O que há de comum entre essas ofertas são as certezas de que partem. Não há lugar para dúvidas acerca do que é certo e do que é errado. Para quem está totalmente perdido, isso não é pouca coisa.

EuMas, a longo prazo, funciona? A pessoa consegue manter esse engajamento no projeto, que, por sua vez, a mantém longe das drogas?
Ribeiro - Dificilmente. Essa reprogramação exige que o sujeito assuma uma nova vida, e sabemos que nossa liberdade de escolha é limitada: não podemos escolher quem queremos ser. Somos o produto de uma história, que não se deixa ignorar. Mas, embora hegemônicos, esses campos, felizmente, não detêm a exclusividade no tratamento da dependência química. “Felizmente” não porque eles sejam sempre ineficazes ou mal-intencionados, longe disso, mas porque muitos dependentes não se adaptam a suas propostas. Há muitas clínicas, ambulatórios e CAPS-ad (Centros de Atenção Psicossocial a usuários de substâncias psicoativas) que assumem um maior respeito à liberdade de escolha dos sujeitos, tomam como referência a estratégia de redução de danos e trabalham a partir de uma escuta das singularidades de cada caso.

EuComo você vê o jogo de culpa que se faz na abordagem das drogas: é culpa da família, é culpa do traficante, é culpa do Estado, é culpa dos amigos viciados, é culpa de um mundo sem valores ou há tantos culpados que ninguém mais tem culpa? A culpa cumpre algum papel nesse jogo?
Ribeiro - A culpa é um dos sentimentos – ou acusações – mais inúteis e produtores de sofrimento com que temos de conviver. Ela nada produz além de recriminações e ressentimentos. Além disso, a atribuição de culpa costuma ser utilizada por discursos autorizados – o científico, o policial ou o religioso – como estratégia de imposição autoritária de seus pontos de vista. Mais interessantes são as tentativas de produção de consensos mínimos sobre os problemas que envolvem o consumo de drogas e a pactuação de responsabilidades no que se refere à forma como o problema deverá ser enfrentado. Isso vale tanto para um contexto familiar, quanto para a elaboração e implementação de políticas públicas.

EuQual é a sua opinião sobre a descriminalização das drogas, no geral, e a descriminalização só da maconha, como propõem alguns, inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?
Ribeiro - Não vejo razões pelas quais consumir drogas deva ser considerado um crime, o que não é o mesmo que defender sua liberação irrestrita. É interessante notar que as origens da proibição ao uso de determinadas drogas não estão relacionadas a qualquer avaliação de ordem médica, psicológica, epidemiológica ou antropológica. Estão associadas de forma muito mais direta às pressões exercidas por certos segmentos sociais, a partir de preconceitos morais e estigmatizações sectárias. Deveríamos ser capazes de aprender com nossos erros e, no momento em que se evidenciam as contradições de nossa política proibicionista, investir em estudos multidisciplinares e promover um amplo debate, depurado de moralismos e respostas fáceis.

EuE quais seriam as questões centrais deste debate?
Ribeiro - Questões que discutam poder e responsabilidade. O que legitima que alguém legisle ou defina o que posso ou não consumir? Se é uma questão que extrapola o âmbito das liberdades individuais, envolvendo problemas de saúde pública, quais são os critérios para definir quem pode e quem não pode consumir tais e tais drogas? Repressão e marginalização são boas estratégias para a produção de saúde?

EuQual é a sua opinião sobre a campanha nacional contra o crack lançada pelo Ministério da Saúde (e recentemente ampliada pelo presidente Lula)?
Ribeiro - A campanha promovida pelo Ministério da Saúde promove grandes avanços, entre eles o de respeitar os direitos dos usuários, o de operar a partir da lógica de redução de danos, o de priorizar a abordagem do problema no território em que vive o usuário e o de evitar internações prolongadas. Entretanto, é sabido que esse tipo de abordagem enfrenta fortes resistências de parte daqueles que se opõem a Reforma Psiquiátrica e se mostram saudosos dos antigos manicômios. Para estes, o melhor seria ampliar o número de leitos de internação, segregar e “tratar” o maior número possível de usuários, para depois “devolvê-los” – se possível – para o convívio social. Infelizmente, através dessa estratégia, muitos psiquiatras evitam a abordagem da intensidade dos dramas humanos - preferindo a calmaria dos sedativos.