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O INSTITUTO GREGORIO BAREMBLITT nasce do encontro de um grupo de amigos com um desejo comum de reinventar novas práticas sociais. Para tanto constituímos uma associação sem fins lucrativos. Seu nome é uma homenagem ao psiquiatra, psicoterapeuta, professor, pesquisador, analista e interventor institucional, esquizoanalista, esquizodramatista e escritor Gregorio Franklin Baremblitt. Nosso desejo é que este dispositivo tenha uma inserção social e que possamos construir com nossa comunidade um Outro Mundo Possível.

domingo, 3 de julho de 2011

QUEM CHEIRA COCAÍNA É RESPONSÁVEL PELO TRÁFICO. QUEM COMPRA CARRO É RESPONSÁVEL PELOS ENGARRAFAMENTOS. QUEM DEPOSITA DINHEIRO EM BANCO É RESPONSÁVEL PELA RIQUEZA DOS BANQUEIROS. É ASSIM?



Antônio Nery Filho 


 A mídia brasileira  apresenta  as drogas ilícitas quase sempre através de números. 

 Números relacionados com toneladas de maconha e cocaína apreendidas regularmente pela polícia.

 Mais recentemente a mídia passou a referir-se à quantidade de pedras de crack encontradas com este ou aquele traficante ou usuário-quase-traficante.

 Quando não é assim, mostra em reportagens pseudoinformativas, excluídos, miseráveis, moradores de rua, pessoas fracassadas na dura experiência de viver em sociedade, e suas relações com as drogas, como se isto fosse o banal, o comum, quando na verdade é a excessão ou, ainda,  como se o consumo de drogas ilícitas fosse um destino inelutável  estampado em abomináveis  outdoors e busdoors em Salvadoronde se via pés de mortos e se podia ler:  “Crack:  é cadeia ou caixão”, felizmente  retiradas   dos nossos olhos pela força do bom senso de muitos baianos. 

 O sofrimento é  condição fundamental da existência  humana, o fracasso na  vida em sociedade, não. 

 Agora, mais recentemente,  a mídia passou a sugerir que a responsabilidade pelo tráfico é do consumidor: “sem consumidor o tráfico não se sustenta” ou, como sugeriu a Revista Isto É em dezembro de 2010: “Consumo:  a parte mais difícil da luta contra as drogas”, além de atribuir aos consumidores de cocaína e maconha em baladas  e o uso de entorpecentes nas praias e nos mais diversos lugares, a responsabilidade pela força econômica do tráfico.

 É inacreditável como na maioria dos textos em nossos jornais e revista não se faz a necessária distinção entre os consumidores e os modos de consumo, nem se indica as diferentes possibilidades das substâncias, quer quanto  a capacidade de produzir dependência, quer quanto a capacidade de produzir morte por intoxicação aguda (overdose).

 Aliás,  já é tempo das pessoas saberem que nem toda droga é entorpecente.

 Entorpecente, é aquilo que entorpece, produz sono, seda. 

 O melhor exemplo entre nós é a morfina; a cocaína é um estimulante, o oposto da morfina,  assim como o é a anfetamina, todas com grande possibilidade química de produzir morte por parada cárdio-respiratória ou  psicoses e hipertensão. 

 Lembrar que o crack e o oxi  são a mesma coisa: cocaína impura, básica, associada a produtos  danosos  à saúde física,  como carbonatos,  e supostamente portadores de resíduos de  gasolina ou querosene, sem qualquer comprovação.  

  A maconha, por sua vez,  é um sedativo com alguma capacidade de produzir transtornos psíquicos relacionados com a concentração de seu princípio ativo o THC (tetrahidrocanabinol), sem qualquer possibilidade de causar morte por intoxicação aguda.

 Contudo, há indícios de risco relacionado à condução de veículos sob efeito deste produto, tanto quanto alguma  perda da motivação, sobretudo entre usuários de longo curso. 

Entretanto, este efeito é uma possibilidade, nunca uma determinação e está relacionada ao patrimônio biológico e psíquico de cada um e às  vicissitudes do meio (sócio-cultural)  no qual usuário e substâncias se encontram,  devendo-se considerar, ainda, o estado geral de saúde,  estado nutricional,  e os muitos estados emocionais. 

 Destas circunstâncias e da ordem subjetiva construída a partir da história de cada um, resulta o imponderável-do-ser-humano,   significado pelo desejo.

 Dizer apenas que alguém é “toxicômano” sem uma contextualização “bio-psico-social”,  não deveria ter qualquer valor porque não faz sentido, tanto quanto não faz sentido designar todas as substâncias como  entorpecentes.

 Creio que estes conhecimentos aliados a uma condição não  pré-conceituosa são fundamentais para a informação.

Talvez, se nossa mídia se (in)formasse melhor poderia ter a coragem de escrever à semelhança do Presidente Fernando Henrique Cardoso, referindo-se à maconha: “antes eu não tinha conhecimento, agora estou melhor informado e por isso reconheço o fracasso da guerra às drogas”,  e pedisse desculpas pelo ignorância que ajudou e ajuda a perpetuar .

Antônio Nery FilhoMédico Psiquiatra. Professor do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da. Universidade Federal da Bahia (UFBA). com doutorado em Ciências Sociais em Lyon (França) e Pós-Doutorado na Universidade Laval (Depto. de Antropologia), no Québec, Canadá. O médico foi fundador do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad) em 1985, órgão da Faculdade de Medicina da UFBA, e é o atual coordenador geral. Foi membro titular do extinto Confen (Conselho Federal de Entorpecentes) e é atualmente consultor do Ministério da Saúde, Coordenação de Saúde Mental, para as questões relacionadas com o álcool e outras substâncias. É membro da Comissão de Revisão da atual Lei de Tóxicos do Brasil (Lei 11.343 de 2006), da Secretaria Nacional Para Política Sobre Drogas 
(Senad).


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